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Katia Rubio: esporte e educação: paralelas que se encontram?

Katia Rubio: esporte e educação: paralelas que se encontram?

Só sei que nada sei.

Por Katia Rubio, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da USP e especialista em psicologia do esporte

Para quem não me conhece, nem nunca ouviu falar sobre quem sou e o que faço, vão aqui algumas informações. Sou quem sou em função de uma longa trajetória dedicada ao esporte. Fui atleta em uma época na qual não existia profissionalização, portanto, exercitava-se o amadorismo (fazer por amor), na raça. Tive como técnico uma pessoa austera, recém-chegado do Japão, cuja seleção acabara de se consagrar campeã olímpica. João Crisóstomo exigia dedicação, empenho e seriedade, ainda que nem o sanduíche, tão esperado em dias de jogo, fosse distribuído em dias de treino. Aquele homem que transbordava perfeccionismo era quem me dava carona para casa e só arrancava seu Karman Ghia TC verde alface depois que meu pai fechava a porta da sala. Essa era a condição para que eu pudesse frequentar os treinos no Clube de Regatas Tietê.

Quis a natureza que eu não tivesse 30 centímetros a mais para ser a jogadora que eu sonhava ser. Aliás, hoje sei que nem se eu fosse mais alta meu sonho se realizaria, porque para se chegar a ser uma atleta olímpica é preciso mais do que isso. O que importa é que aquela experiência vivida nos anos fundamentais da minha formação me levou de volta ao esporte anos depois como professora da Universidade de São Paulo, já uma psicóloga e pesquisadora. Uma vez que não pude ser uma atleta olímpica, tornei-me uma pesquisadora olímpica, não só no esforço de fazer pesquisa, mas, principalmente, por me dedicar a conhecer a história de todos os atletas brasileiros (e estrangeiros naturalizados brasileiros) que defenderam o Brasil em Jogos Olímpicos. São quase 30 anos ouvindo histórias, refletindo sobre o que é ser atleta, tentando desvendar o que segue na alma de uma pessoa que dedica a vida a um sonho que pode, ou não, vir a se tornar realidade. Essa escuta me deu o privilégio de conhecer regiões insondáveis da alma de pessoas tão incomuns. E é a partir do lugar que essa experiência me proporcionou que teço no presente impressões e análises sobre o esporte e seus protagonistas, a saber, os atletas.

Feita essa digressão penso ser importante ainda me posicionar sobre o que entendo por esporte. Nascido como prática de classes privilegiadas, tornou-se fenômeno social global por expor o limite do humano na busca da perfeição de um gesto técnico. A disputa pela perfeição pode também ser entendida como competição, afinal o outro é um agente de busca e não um inimigo a ser batido. A natureza do esforço e das condições que envolvem essa busca levam alguns a considerarem o esporte de alto rendimento como excludente, mas eu afirmo que a busca verdadeira pelo limite é da alma de quem se dedica a alcançar uma meta, seja no esporte, na universidade, no campo profissional.

Dito isso chego ao cerne do presente texto. Essa semana saiu publicado em uma rede social um excerto de um podcast, cujo recorte discutia os métodos utilizados na prática esportiva com jovens. Minha afirmação é que os métodos militares, autoritários, utilizados no passado não produzem o mesmo efeito no mundo contemporâneo, posto que as novas gerações buscam o diálogo e o esclarecimento dos por quês de uma determinada ação. Fora do contexto da entrevista que discutia as transformações pelas quais passa a sociedade e a educação das novas gerações, fui bombardeada como nunca antes por inúmeras pessoas que nada conhecem sobre mim ou meu trabalho. De velha caduca a ignorante e burra  foram muitas as manifestações ofensivas. E o mais curioso é que a maioria esmagadora dessas manifestações veiojustamente de pessoas relacionadas com o esporte, identificadas como técnicos ou professores.  

Levada a refletir, não sobre as ofensas recebidas (sou terapeutizada e, portanto, elas dizem muito mais sobre quem as deferiu do que sobre mim), mas sobre o que é o esporte feito por essas pessoas, vejo no que essa utopia inventada para andar de mãos dadas com a educação pode se transformar. Faço questão de usar o termo utopia uma vez que o esporte é hoje muitas coisas – uma profissão, um negócio, uma aposta, um sonho – e ao mesmo tempo pode ser nada, nem mesmo entretenimento. 

Se, como definição, duas paralelas não se encontram nem mesmo no infinito, assisto ao distanciamento entre esporte e educação com a alma pesarosa, tanto como educadora, quanto como psicóloga ou mesmo como amante do esporte. Não desejo a servidão de nenhum humano a outro ser humano, mesmo com o argumento de que essa é a melhor forma de se extrair o melhor rendimento de quem quer que seja. A profecia autorrealizadora de que apenas uma liderança autoritária é capaz de produzir bons resultados já se provou equivocada. É difícil crer que apesar de avanços tão importantes em diferentes frentes, há comportamentos que permanecem cravados na Era Vitoriana. E o esporte parece pródigo nisso.

Educadores, eduquem, e lembrem que a melhor forma de aprender é repetindo o filósofo: só sei que nada sei.

 

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