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Em Trânsito: Imagina o problema bom que ia dar se todo mundo começasse a pensar antes de falar? 

Em Trânsito: Imagina o problema bom que ia dar se todo mundo começasse a pensar antes de falar? 

Mas o sistema não quer te ouvir pensar e para isso não pode te deixar sonhar.

Por Pedro Pirim Rodrigues, cofundador da Voz Futura.

Trabalhe enquanto eles dormem” virou um mantra da sociedade contemporânea, que transformou exaustão em status e descanso em culpa. Na corrida dos ratos em que estamos todos mergulhados, quanto mais produzimos, mais precisamos acertar — e, com isso, perdemos justamente aquilo que nos faz humanos: a possibilidade de errar. Substituímos gente por máquinas e delegamos a elas o acerto, ao mesmo tempo em que nossa libido, antes força criativa, virou moeda sexualizada e acelerada pelas redes, num processo de adultização precoce e infantilização tardia.

Para entender como chegamos até aqui, é preciso olhar para trás. No Egito e na Grécia, existiam os “Templos do Sono”, espaços onde as pessoas dormiam em busca de sonhos reveladores. Eram lugares de escuta, silêncio e subjetividade. Séculos depois, Freud resgata esse território ao transformar a hipnose na “cura pela fala”, como no caso de Anna O., onde sintomas físicos eram alívio simbólico para dores não verbalizadas. Seja dormindo ou falando, ali existia espaço para o inconsciente.

Em The Master and His Emissary, Iain McGilchrist descreve o desequilíbrio moderno entre hemisfério direito (intuitivo, simbólico) e esquerdo (lógico, controlador). Entregamos o comando ao “emissário” e sufocamos o “mestre”. Paramos de intuir por medo de errar. Tentamos controlar tudo. Esse movimento ecoa o que Freud aponta no “Homem dos Ratos”: quando o corpo já não paralisa, a mente aprisiona. Saímos da conversão histérica e entramos na neurose obsessiva — pensamentos compulsivos que tentam evitar qualquer sensação.

Sidarta Ribeiro acrescenta outra camada: desaprendemos a sonhar porque desaprendemos a dormir. Vivemos em alerta permanente, produzindo para entregar resultados desconectados de nós mesmos. O sonho, que serve para reorganizar simbolicamente a experiência, foi substituído por vigilância. Dormir virou luxo. Pausar virou falha.
Entre templos antigos, o divã psicanalítico e a neurociência contemporânea, uma mesma conclusão aparece: sonhar, descansar e falar são formas de cura. O inconsciente trabalha enquanto dormimos, mas também enquanto falamos — e falar é, muitas vezes, ouvir a si mesmo. No entanto, a sociedade do “trabalhe enquanto eles dormem” transformou o descanso num problema. Corpos rígidos, mentes aceleradas, pensamentos fragmentados em vídeos de 15 segundos: estamos conectados a tudo, menos a nós mesmos. E nessa desconexão, o excesso de informação vira ansiedade, tristeza e dor, porque ninguém consegue acompanhar o ritmo de um mundo que cobra perfeição ininterrupta: corpos perfeitos, carreiras perfeitas, viagens perfeitas, vidas perfeitas.

Segundo a OPAS, o suicídio já é a 3ª causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos. Isso não é coincidência; é sintoma de uma sociedade adoecida que não oferece mais templos de silêncio, apenas ruído.
Falta pra gente um espaço onde o inconsciente não seja tratado como algoritmo. Um lugar onde possamos errar, escutar, imaginar, rememorar — sem pressa de concluir ou performar. Freud, McGilchrist e Sidarta, cada um ao seu modo, apontam para a mesma falha: a perda da subjetividade. O medo do vazio. A impossibilidade de escutar.

E quando não existe silêncio social, ele também não existe politicamente. A história de Marcinho VP (o primeiro), em uma história que escutei do ex-secretario de segurança e autor de Elite da Tropa, Luiz Eduardo Soares, é símbolo disso. Um homem tentando se reeducar, pedindo livros na prisão, buscando consciência para romper com a lógica do tráfico é morto na prisão e em cima da lixeira onde o queimaram, colocam um faixa escrita: “Esse não lerá nunca mais”. Agora, não foram os presos que o mataram; foi o sistema, que não quer pessoas pensando, questionando, falando. Da mesma forma, psicanálise e educação seguem restritas a poucos, porque consciência crítica não interessa a quem detém poder. Imagina o problemão que daria se todo mundo começasse a se questionar sobre as verdades impostas e absolutas que nos fazem engolir diariamente?

Por isso é tão essencial resgatar o sonho — literal e simbólico. Porque onde existe sonho existe elaboração, possibilidade, autoanálise, crítica, questionamento. O problema do nosso tempo não é a falta de respostas, mas a falta de escuta. Fugimos do silêncio porque ele nos devolve a nós mesmos. Mas é justamente nele que os ecos começam a reveberar e nos dão a chance de melhorar. Enquanto indivíduos e sociedade. Arnaldo Chuster resume bem: racionalizar demais é matar o contato com o humano. E Davi Flores (https://www.instagram.com/davibf/?hl=pt) , meu professor, completa: “Para o homem racional, errar é um crime. Para o homem sonhador, errar é um caminho.”  

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