Por Giulia Amendola, diretora de Comunicação da Voz Futura.
Tem palavras que são absolutamente comuns e que normalmente passam desapercebidas porque fazem parte de todo um conjunto lógico do nosso dia-a-dia.
Só que, às vezes, algumas tomam um significado diferente de uma hora para outra.
Há alguns meses, isso aconteceu comigo com a palavra “desfrutar”.
desfrutar. verbo.
- transitivo direto figurado. deleitar-se com; apreciar. “da sacada desfrutava um cortejo de maracatu”
- transitivo direto e transitivo indireto. estar na posse de (vantagem, benefício material ou moral); gozar, lograr, usufruir.”d. (de) boa condição, (de) boa saúde, (de) bom conceito”.
É um verbo que eu uso pouquíssimo. Por quê? Não sei dizer. Por algum motivo, “desfrutar” não estava no meu léxico diário. Acho que “aproveitar”, “curtir”, “apreciar” e até mesmo “usufruir” são mais comuns nas minhas falas e textos. E, sinceramente, não era uma palavra que eu via muito escrita ou falada por aí.
Mas no final de 2024, quando entrei na Voz, ela passou a gritar para mim por algum motivo. Quase como se fosse uma palavra estrangeira no meio do nosso português. Há pouco mais de sete meses, nas minhas primeiras semanas como diretora da Voz, mergulhei em um universo que não me era familiar – o de estar “dentro” de um veículo de mídia depois de mais de uma década em agências. Entre muitos assuntos para entender mais e melhor, li muitas entrevistas com o Danilo. Queria entender como ele pensava, como ele falava, de onde tinha vindo a ideia de criar um veículo no Brasil.
Em diversas publicações, a palavra “desfrutar” reaparecia. Não necessariamente no contexto da Voz – mas da vida de uma forma geral.
Li sobre como o Danilo reaprendeu a desfrutar o futebol depois da pressão pela performance tão novo.
Li sobre como ele está (teoricamente) em seus últimos anos o futebol profissional e quer desfrutar estar de volta ao Brasil.
Li muita coisa, muito link e a palavra desfrutar sempre voltava.
Eu sinceramente não sei nem se o próprio Danilo já percebeu isso. Cheguei a pesquisar se é um termo comum na Itália que, de alguma forma, ele abrasileirou. Essa tese ainda se fortaleceu quando o Jorginho, hoje jogador do Flamengo, deu uma entrevista na qual ele também usava a mesma palavra.
Quando uma coisa não sai da nossa cabeça, é a nossa intuição tentando nos dizer algo.
Será que eu, também, não deveria estar procurando desfrutar mais das coisas?
Desfrutar é uma palavra tão bonita, que carrega consigo uma sinestesia interessante. Me remete à primeira mordida em uma fruta suculenta em um dia de verão. Aquela explosão de sabor na língua, o prazer que vem com a sensação de se sentir saciado com alguma coisa.
De algum jeito, percebi que eu não estava nem “aproveitando”, nem “curtindo”, nem “apreciando”, nem “usufruindo” de nada. Muito menos desfrutando. A própria escrita, por exemplo. Nos últimos dois anos, fui convidada para escrever dois livros e hoje, mesmo sem imaginar isso direito, tenho na Voz um espaço para realizar entrevistas e escrever sobre histórias que importam. Definitivamente um sonho realizado. Mas eu não tava desfrutando disso. Simplesmente estava no automático.
Então veio na minha cabeça, em letras garrafais: DESFRUTE.
Parei para perceber o quanto eu consegui fazer um movimento de carreira que me permite estar mais perto das palavras. E mais do que perceber: desfrutar esse momento de quando eu abro o word para revisar um capítulo dos livros que estão vindo por aí, de pessoas com mais de 90 anos que depositaram em mim, com um terço de vida deles, a confiança de ajudar a contar a história deles.
Sim, eu sei. A vida é corrida para caramba. A verdade é que é muito bonito fazer uma ode aqui a parar, apreciar, quer dizer, desfrutar a viagem, quando está tudo uma loucura. São 18 mensagens não lidas no WhatsApp, uma dezena de emails para responder, é alguém te esperando na próxima reunião de vídeo, é o mundo acabando lá fora. É um privilégio, claro, ter essa possibilidade de parar e falar: eu vou desfrutar disso aqui enquanto eu tô vivendo.
Mas fica aqui o convite para que a gente encontre, sempre, a possibilidade e o prazer de desfrutar do que a gente gosta.