Por Marco Antonio Rocha em colaboração com a Voz Futura
É da mistura de sons que nasceu o Rio de Música, que chega aos 12 anos em uma das regiões mais conflagradas do Rio de Janeiro. Desde a criação da escola até hoje, os sons dos instrumentos precisaram vencer o barulho dos tiros. Da primeira sede, na viela conhecida como Garganta do Diabo, no Jacarezinho, sobrou apenas o desejo de ver o projeto seguindo seu curso, como um rio de esperança na região que tem um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado. Já as paredes foram estilhaçadas por balas perdidas, mas o sonho saiu ileso. E fortalecido.
Hoje o Rio de Música ocupa três salas do Colégio Estadual Professor Clóvis Monteiro, em Higienópolis, e oferece aulas gratuitas de sete instrumentos a crianças, jovens, adultos e idosos: baixo, violão, piano, percussão, bateria, flauta e canto. Todos os professores acompanham grandes artistas como Maria Bethânia, Hermeto Pascoal, Edu Lobo e Egberto Gismonti.
“A ideia surgiu quando visitei o Jacarezinho, a convite do Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz. Havia muitos problemas, crianças e jovens nas ruas sem ter o que fazer. Mas percebemos também possibilidades incríveis, uma força cultural muito potente”, lembra Bruno Aguilar, fundador e professor de baixo do projeto, orgulhoso ao contar que a escola já impactou diretamente mais de 500 pessoas: “Nosso objetivo nunca foi somente formar músicos, mas sim mostrar que a música é um instrumento de transformação, forma de despertar uma sensibilidade diferente para ver o mundo”.
Para Dona Marlene, a transformação dolorosa foi aliviada pela música. Amiga inseparável, conselheira nos melhores momentos e ombro à disposição quando a dor aperta, foi a arte que ajudou a pernambucana a superar a morte do marido, após um casamento de 32 anos:
“Cheguei em um momento muito difícil e todos me abraçaram, fui muito bem recebida. Recentemente, perdi meu filho também, mas tento não me abater. Para o Rio de Música, não interessa se a pessoa é nova ou velha, preta ou branca. No projeto eu tenho amigos, me sinto à vontade. É isso o que me ajudou, é isso o que me ajuda. O Rio de Música mudou minha vida”.
Para Aline Gonçalves, professora de flauta, a atividade musical tem de fato esse poder:
“É claro que se pode fazer música sozinho, mas em grupo a fluidez é incrível porque todo esse processo envolve olhares, gestos… Quando se entende que o jogo é jogado junto, a música acaba sendo um momento de agregar. Tenho uma lembrança viva da minha escola de música, quando eu ficava a tarde inteira fazendo as minhas aulas, observando as de outros alunos e trocando ideias com colegas. Aquilo acabava virando um lugar de aprendizado que é ainda maior do que só aquele momento que chamamos de aula”, recorda Aline: “A gente sente isso muito isso no Rio de Música. As pessoas têm suas aulas e ficam muito além da hora, não querem ir embora. Isso mostra o quanto elas percebem o Rio de Música como um lugar seguro, de atenção, de troca. É muito enriquecedor para todos nós”.

Na escuridão, uma nova forma de enxergar
Em meio a vultos e objetos de contornos indefinidos, a música surge com mensagens nítidas, que se moldam às emoções de Fábio Santos. Aluno do Rio de Música, ele foi acometido por uma neurotoxoplasmose há oito anos. Ficaram a cegueira total do olho esquerdo, apenas 10% de visão no olho direito, limitações na coordenação motora e uma vontade imensa se seguir na música, já que era percussionista e os movimentos passaram a ser um desafio. Foi pela flauta que Fábio descobriu uma nova forma de ver o mundo: através da audição.
“Tenho restrições também nos dedos, mas não me impedem de tocar flauta. As aulas são uma forma de superação, permitem que eu não perca minha musicalidade. Através da flauta toco corações. A música é um jeito não apenas de ver o mundo, mas de me mostrar para ele. O instrumento fala por nós, qualquer instrumento bem tocado tem o poder de passar uma mensagem”, afirma o morador de Manguinhos.
Casada com Fábio, Ivonilda Dantas perdeu totalmente a visão há 24 anos por causa da diabetes. Também aluna do Rio de Música, vê no projeto uma maneira de conectar-se a outras pessoas.
“É isso o que a música faz, né? Une nações, pessoas, ideias… A música me leva a lugares onde jamais sonhei estar fisicamente, torna minha vida mais leve, suave”, diz Ivonilda, que na escola conseguiu, enfim, colocar em prática um plano de infância: “Desde menina eu queria tocar piano, agora finalmente consigo realizar esse sonho”.
Está aí a grande motivação para Leo de Freitas, professor de piano, seguir seu ofício:
“O Rio de Música oferece chances para aqueles que em grande parte só podem sonhar. E a realização do sonho de tocar um instrumento é o que nos faz continuar trabalhando. As pessoas chegam com sonhos e a gente chega com a oportunidade. É nisso que acredito: Justiça social através de piano, guitarra, baixo, bateria, percussão, voz, flauta…”.
Coordenador do Rio de Música, Thiago Freitas ressalta que, para o projeto seguir adiante, é fundamental a ajuda de colaboradores: “A importância de colaborar com o Rio de Música é a garantia de seguirmos democratizando o acesso à educação musical para pessoas de áreas periféricas da Zona Norte carioca. Quem desejar, pode nos ajudar tanto com doações pontuais, através da chave Pix riodemusica@gmail.com, ou de forma recorrente, pelo site da benfeitoria.com. Também é possível adquirir as camisas do projeto pelo endereço reserva.ink/riodemusica.
Créditos das fotos: Thiago Freitas.
