Por Marco Antonio Rocha, para a Voz Futura.
Aos primeiros toques no berimbau, os semblantes se transformam. Na cadência do instrumento, os corpos se movem e os olhares se encontram. Patrimônio cultural imaterial de Niterói, a escola de capoeira Din Down Down recebe desde 1992 alunos com deficiências, abrindo a roda para a inclusão e dando uma rasteira no preconceito. O projeto foi criado pelo professor David Bassous, conhecido como Mestre Bujão, que é autista com altas habilidades e superdotação.
“Temos casos marcantes, como participantes autistas não verbais que, vivenciando a roda, começaram a cantar. É um sinal concreto de que a arte pode ser um catalisador para o desenvolvimento da fala e de outras formas de expressão”, ressalta o mestre, que desenvolve seu doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF), tendo o método como objeto central de estudo: “A capoeira é inclusiva e libertadora. Na roda, não existe hierarquia imposta pela sociedade. Existe troca, escuta e reconhecimento. Cada pessoa é parte fundamental do coletivo, contribuindo com o que sabe e aprendendo com o que o outro oferece”.
Segundo Bujão, o Din Down Down é baseado em dois pilares: potência e afeto. Ali, na roda de capoeira, não são as limitações que ditam o ritmo, mas as possibilidades de cada capoeirista:
“O corpo, quando acolhido e estimulado, encontra novas formas de existir. Já vivenciamos transformações de pessoas com deficiência intelectual ou múltipla que ampliaram sua autonomia, autoestima e expressão no convívio com o grupo. Essas mudanças não são apenas físicas ou técnicas: são afetos que se multiplicam. Um gesto, um toque no berimbau ou um canto entoado criam uma rede de pertencimento. É nessa fusão de potência e afeto que a inclusão deixa de ser apenas um conceito e passa a ser uma experiência real, libertadora e transformadora”.
O Din Down Down faz parte do Instituto GINGAS, que marca presença em 16 escolas públicas e na Apae de Niterói, além de três municípios no estado do Rio: Duque de Caxias, Saquarema e Cachoeiras de Macacu. Com apoio da Enel e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, a iniciativa está com as portas abertas a visitantes:
“Temos orgulho de receber qualquer pessoa, para que possa nos conhecer de perto, sentir a energia das rodas… A melhor forma de entender nossa missão é vivenciá-la, porque aqui não se trata de falar sobre inclusão, mas de construí-la juntos. Quando essas conexões se formam, percebemos que não estamos sozinhos, que tem gente que entende a importância dessa missão e se coloca ao nosso lado. Isso dá fôlego, coragem e esperança”.