Por Pedro Pirim Rodrigues, cofundador da Voz Futura.
O que eu quero dizer aqui por “boas” é: pessoas que querem o bem.
Do que? Da sociedade, do próximo, do mundo. Bem utópico mesmo.
É curioso e no mínimo estranho começar a escrever sobre algo que acredito mas que nesse exato momento da minha vida vivo em contradição. Sim, eu parto do princípio de que todas as pessoas são boas, mas não no “aqui agora” da minha vida (quem pegou a ref da TV dos anos 90?).
A gigantesca executiva (PepsiCo & Amazon) Indra Nooyi prega que devemos “assume positive intent” – Assumir que existem intenções positivas ou boas intenções, na minha tradução livre. Pra muita gente isso pode parecer bem ingênuo, e talvez seja mesmo. O que não significa que é errado. Só significa que você vê o lado positivo das coisas, das pessoas e das suas intenções.
O grande problema dessa forma de enxergar o mundo é que quando nos deparamos com o fato de que uma pessoa ou situação não foi honesta, justa, ou realmente ruim com você, a frustração acaba sendo maior, por um simples fato: alinhamento de expectativas. Podemos combinar que se você parte sempre do princípio de que “vai dar merda”, quando a merda chega, você talvez não se decepcione tanto porque já era isso que você esperava. É um mecanismo de defesa muitas vezes para a nossa capacidade humana de suportar frustração.
No entanto, se você é do tipo de pessoa, assim como eu, que acredita verdadeiramente e parte do princípio de que todas as pessoas são boas… Bom, quando elas deixam de ser, a frustração é muito pior e a dor é muito maior.
Existe uma parábola sobre o monge que pegou seu barquinho para meditar no meio do lago. Conhecem essa? Então, um monge queria paz. Pegou seu barquinho de madeira e foi para o lago meditar. O som ambiente vinha pelo canto dos passarinhos, das folhas das árvores, e da água que encostava na madeira da sua pá enquanto remava. Até a hora que ele decidiu parar, fechar os olhos, respirar com profundidade e consciência que só um monge pode alcançar. Foi nesse exato momento que um outro barquinho bateu no seu barco e imediatamente o monge, tomado por um sentimento de raiva pensou: “Inferno”. Sim, monges ficam com raiva também – eles são humanos – talvez eles não gritem: “INFERNO !!!”, mas talvez eles pensem: “inferno” em um tom baixinho. O monge tinha certeza naquele momento que uma outra pessoa havia batido no seu barco e estava pronto para confrontá-la. Mas quando abriu os olhos se deparou com, pasmem… UM BARCO VAZIO. O barco vazio deve ter se desprendido de algum lugar e acabou encostando no dele. Mas naquele momento a primeira coisa que veio em sua mente sã, foi de que alguém havia feito aquilo propositalmente. Mas por que fazemos isso? Porque nossa cabecinha humana precisa de uma história que justifique nossos sentimentos. Somos movidos por histórias desde que nos entendemos por espécie. Então criamos o tempo todo uma história para dar sentido ao sentimento, a vida e para nos colocarmos protagonistas de situações alimentando nosso traço narcísico. Todo mundo tem “e tá tudo bem”. É uma característica humana. Alguns mais outros menos, mas existe e faz parte de cada um de nós seres humanos.
O monge, percebendo-se narciso ao inventar aquela raiva sabe-se lá porquê, sorriu e pensou: “o barco está vazio”. Mas o que é esse vazio? Esse vazio significa a ausência da justificativa que buscamos para sentir sobre algo, ou outro, que nos faça descontar um sentimento que muitas vezes escondemos ou disfarçamos para parecermos “plenos” perante a sociedade: a raiva. Por que parece errado sentir raiva? O erro não é como nos sentimos. É o que fazemos com o sentimento que sentimos.
Algumas pessoas, por frustração, carência, ou por algum outro motivo que ainda não consegui identificar e muito menos explicar, age de forma ruim mesmo. E é horrível acordar para esse fato. Mas é um fato que precisa ser encarado. Agora, é como você vai encarar? No caso eu hehe.
Em toda reunião que eu entro com a minha advogada em que ela começa a apontar possíveis desvios de conduta (ou caráter), eu digo e reforço: “Vamos partir do princípio de que todas as pessoas são boas”. Porque esse é o meu jeito, e o que vou precisar fazer agora é aprender a lidar melhor com a frustração de me deparar com pessoas desonestas ao longo do caminho.
O Mohamed Ali ensina uma coisa muito bonita na minha visão de quem vê simbologia nas coisas. Uma das grandes características dele enquanto lutador é que ele entrava no ringue com a guarda baixa. Ele ia para a luta com a guarda baixa. Partindo do princípio, quem sabe, de que as pessoas podem bater. Ele está disposto a isso. E é dessa forma que ele escolheu lutar. Para mim existe um aprendizado bonito aqui entre o “erro” de acreditar que todas as pessoas são boas e como lidamos com o tranco quando encaramos uma pessoa que de fato é ruim: Posso ir à luta, mas vou com a guarda baixa. Mostrando a você que estou aqui, disposto a encarar, sem me esconder atrás de luvas, punhos e braços.
Para quem sabe assim, com a guarda baixa, refletir no outro uma projeção de que não é preciso brigar por meio de força bruta e violência. Porque sempre deve existir espaço para a conversa e o diálogo. Então é preciso sair desse estado de alerta, belicoso, em que nos colocamos muitas vezes.
É entender também que quando alguma coisa acontece “com a gente” não é necessariamente contra – é para. E sabendo disso, podemos tirar o melhor proveito dela. Se usamos a nosso favor. Para construir, crescer e aprender.
É saber também, de forma consciente que algumas coisas simplesmente acontecem. Sem um motivo aparente. Nós é que criamos as histórias para preencher os nossos “barcos vazios”


