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Nunca é tarde para recomeçar

Nunca é tarde para recomeçar

Perseverança e propósito para se manter estudando.

Por Pedro Luiz Meireles*

O Censo Escolar de 2024 revelou uma estatística alarmante: cerca de 65 milhões de brasileiros não concluíram o Ensino Médio. Entre os muitos rostos por trás desse número, há também histórias de perseverança. A de Isabelle Sousa é uma delas, e sua trajetória mostra que nunca é tarde para recomeçar.

Aos 41 anos, Isabelle comemora a conquista de um diploma universitário em Serviço Social e agora avança para o mestrado, desafiando não só os limites do sistema educacional, mas também as barreiras sociais, financeiras e emocionais que marcaram sua caminhada. Durante 15 anos, estudar foi um privilégio distante. “Por questões financeiras, precisei largar os estudos aos 19 para trabalhar”, conta.

Criada no Vidigal, comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro, Isabelle enfrentou perdas dolorosas em 2002, como o assassinato do irmão, e uma mudança brusca de realidade. A mudança para outro território tornou o retorno à sala de aula ainda mais difícil, mas ela persistiu, concluiu o Ensino Fundamental e, em 2017 conseguiu retomar os estudos por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), na Escola Estadual Castelnuovo, no Leblon, e em 2019 ingressou no Pré-Vestibular Comunitário (Neam, Núcleo de Estudos e Ação Mundo da Juventude): “Uma professora de história me incentivou muito. Ela me emprestou o material que o filho usou para o vestibular. Isso foi essencial, já que eu consegui vaga no pré-vestibular. Então comecei a estudar sozinha”, relembra. O esforço foi solitário, mas não sem propósito. 

Ingressou na faculdade em 2020, em meio à pandemia, mas conta que conseguiu superar com ajuda da universidade: “Foi muito desafiador, em um primeiro momento, mas depois a PUC disponibilizou chip de internet e notebook”.  

A decisão de seguir na área de Serviço Social nasceu de uma experiência marcante: o acompanhamento da esposa de seu avô em tratamento no Inca. “Lá eu vi o trabalho dos assistentes sociais e o quanto era importante. O serviço social tem uma perspectiva de direito, de dignidade, especialmente para quem vive em vulnerabilidade”, afirma.

Mas as barreiras não pararam com o ingresso na universidade. Isabelle fala com franqueza sobre as múltiplas jornadas que precisou assumir para se manter estudando: “Ser mãe, dona de casa, estudante é muito difícil. Há uma discrepância muito grande entre quem pode se dedicar só aos estudos e quem precisa fazer tudo ao mesmo tempo”.

Além do esforço doméstico e acadêmico, Isabelle enfrentou o preconceito que ainda cerca adultos que decidem voltar a estudar:

“Tem gente que acha que estudar depois de uma certa idade não vale a pena.
É uma falta de consciência muito grande”

Isabelle Sousa
Isabelle Sousa na sala de aula do mestrado em Serviço Social na PUC-Rio. Acervo pessoal

Hoje, no mestrado, o desafio continua. Ela lida com lacunas herdadas do ensino básico. “O mestrado está sendo bem desafiador. Mas meus planos são que ele me dê um título para eu conseguir um trabalho na minha área”, comenta Isabelle.

Apesar das dificuldades, Isabelle não caminha sozinha. Fez amizade com a professora no pré-vestibular comunitário que se tornou um apoio para além da sala. Noelia Rodrigues, na época trabalhava no NEAM, fala que Isabelle sempre foi muito participativa dentro do curso. “Ela sempre se prontificou para além do pré. Chegava antes, conversava sobre educação popular e tomava café”. Foi nesses encontros que a amizade surgiu. 

Noelia conta que Isabelle sempre colocou questões como ajudar as pessoas da favela do Vidigal, trabalhando junto, ajudando e somando para a comunidade. Com a realização do mestrado em Serviço Social, a professora destaca o compromisso e a dedicação de Isabelle. “Está fazendo uma pesquisa sobre cozinhas solidárias e está rompendo a bolha da própria família, sendo uma das primeiras a fazer não só graduação, mas como o mestrado”. 

Hoje, ela pesquisa sobre segurança alimentar em famílias de mãe solo. Por conta disso, a orientadora de mestrado, que faz um mapeamento de cozinhas solidárias no Rio de Janeiro, convidou-a para participar desse projeto. Isabelle conta como está sendo a  experiência: “O que eu fiz foi catalogar as cozinhas da cidade, e participei na construção de um questionário para a gente conhecer melhor o ambiente por dentro”. 

Isabelle Sousa é um retrato real de um Brasil que luta por dignidade e por educação como direito, não como privilégio. Sua história desafia as estatísticas, e inspira a transformá-las.

* Estudante de Jornalismo da PUC-Rio, aluno da disciplina Planejamento Editorial da professora Itala Maduell, em colaboração para a Voz Futura.

Foto de destaque: Tânia Rego/Agência Brasil

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