Por Danilo Luiz, fundador da Voz Futura.
Ela abriu portas que nem existiam. Foi a primeira mulher a representar o Brasil no wrestling olímpico e, ao mesmo tempo, transformou a própria trajetória em ferramenta de acesso para outras meninas — criando o Mempodera, um projeto social que constrói autonomia através do esporte. Sua história começa no tatame, mas hoje se estende para a gestão esportiva, inovação tecnológica e desenho de modelos transparentes de financiamento.
Nesta entrevista para a Voz Futura, ela reflete sobre a potência do esporte como formador psicológico, social e financeiro; sobre a transição para o mundo dos negócios; e sobre como a tokenização e o blockchain podem democratizar investimentos e trazer confiança para a economia do impacto. Em cada resposta, fica claro que resistir não é apenas um verbo — é uma condição de existência para quem nasce à margem e decide ocupar o centro.
Você foi pioneira no wrestling brasileiro e transformou sua história em um projeto social. Que momento te fez entender que o esporte podia ser uma ferramenta de transformação (não só para você, mas para tantas meninas)?
O momento que eu percebi que o esporte podia ser um momento de transformação, acho que foi quando eu participei da Primeira Olimpíada mesmo. Ali eu comecei a me dar conta o quão improvável seria eu estar naquele lugar com aquelas pessoas se não fosse pelo esporte, foi quando eu parei para pensar realmente toda jornada, a Mempodera, o projeto como um todo.
O Mempodera nasceu de uma história de luta dentro e fora dos tatames. Como você enxerga hoje o poder do esporte para gerar autonomia emocional, social e financeira para as mulheres?
O esporte em si, ele é um pouco autônomo, no sentido de conforme a gente vai avançando e é sempre uma decisão nossa continuar ou não no nele. Então todos os dias você tem a decisão de desistir daquilo e nem sempre os benefícios que o esporte vai te trazer de volta valem a pena. Isso faz com que desistir sempre seja mais fácil, abandonar para parar de se machucar. As famílias geralmente incentivam, dependendo de quem for, a abandonar para poder buscar outras fontes de renda. E tem outro ponto, por exemplo, o treinador geralmente ele não insiste para um atleta se desenvolver, ele escolhe quem está se desenvolvendo. Então se você não estiver treinando o suficiente, ele vai achar outra pessoa para pôr em seu lugar. E isso acaba fazendo com que a gente tenha que ser muito independente nas tomadas de decisão, no caminho em si, né? Eu acho que dessa forma que o esporte faz com que a gente trabalhe uma autonomia que vai depois beneficiar a vida como um todo da pessoa.
A transição do alto rendimento para o mundo dos negócios costuma ser desafiadora. Como foi esse processo para você — e de que forma a disciplina do esporte te ajudou a empreender e inovar? Você tem falado sobre tokenização e novas formas de financiamento para o esporte. O que te inspira nessa intersecção entre tecnologia, propósito e impacto social?
Sobre a transição de carreira, para mim foi desafiador equilibrar a minha dedicação à Olimpíada de Tóquio principalmente, porque em Tóquio já era gestora, já estava na diretoria da CBW, já estava idealizando a minha startup, então conciliar o cansaço das duas jornadas é o mais desafiador. Mas eu diria que é ainda mais desafiador o atleta que não divide esse tempo e que começa a pensar na transição de carreira depois que para. Porque a gente começa a lidar com uma montanha-russa de sentimentos de uma vida inteira como atleta de alto rendimento que não vai mais existir, além de começar a tentar se inserir num mundo completamente alheio, que é o mundo dos negócios. Então eu acho que por mais desafiador que foi, equilibrar a minha preparação para Tóquio com o meu pós-carreira já, a gestão foi mais suave, foi melhor do que eu diria se eu não tivesse feito essa transição, se eu esperasse parar como atleta para começar a olhar para o mundo de negócios. E sobre a tokenização, eu gosto muito da tecnologia de blockchain, que é o que tokeniza ativos do mundo real, porque ela traz mais transparência. E eu que sou do terceiro setor do impacto, o esporte que vive muito com verbas do terceiro setor, eu vejo que a gente tem muito a se beneficiar com uma tecnologia que entrega tanta transparência. E de certa forma, além da transparência, os contratos inteligentes da tokenização, eles também trazem uma camada extra de confiança numa economia onde a gente não confia nas instituições, nas pessoas. Tem um potencial imenso de a gente ter ações de impacto sendo potencializadas e sendo mais eficientes com gasto financeiro, com sustentabilidade financeira. Eu acho que precisa tanto de transparência, tem muito a se beneficiar, sabe? Acho que é por isso que eu gosto tanto, sou tão entusiasta.
O wrestling te ensinou a resistir. O que você diria hoje para meninas que estão começando, especialmente aquelas que vêm de realidades onde sonhar parece um luxo?
Olha, sobre resistir, eu diria que o wrestling é um esporte de resistência e que a vida também me ensinou muito a resistir. Eu diria que é a única opção, sabe? É uma única opção que a gente tem que resistir. Hoje em dia, num estado que mata tanto pessoas pretas, pessoas faveladas, periféricas, pessoas que não são quistas na sociedade, que estão marginalizadas na sociedade – por elas, não posso parar de falar. Para essas pessoas, o simples fato de estar viva é resistir. Viver é resistir. A gente vê os dados de quanto pessoas das classes A e B vivem anos a mais do que pessoas mais pobres. E isso está diretamente relacionado com o poder de dinheiro em comprar saúde, em comprar tratamento, em comprar qualidade. De vida, em comprar tempo… então eu diria que resistir é a única opção.


