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Partilha: Sua mais longa viagem

Partilha: Sua mais longa viagem

Sem sair do lugar.

Por Igor Monteiro, consultor de aprendizagem corporativa e especialista em design instrucional.

Segundo uma Lenda milenar da Índia, Brahma, o mais poderoso entre os deuses da tradição Hindu, resolveu certa vez punir os humanos por um mal uso da divindade, atributo que acompanhava nossa espécie no início dos tempos. 

A sentença definida: esconder a Felicidade num lugar onde dificilmente nos aventuraríamos a buscar. Disposto a fazer valer seu castigo, Brahma decidiu escondê-la no lugar onde dificilmente nos atrevemos a ir, desde os tempos mais antigos.  

Nas profundezas do oceano? Não.

Na mais alta das montanhas? Também não. 

O destino definido: dentro de nós mesmos. 

Brahma sabia que, para nós, nem o mais distante entre os destinos, nem a mais tortuosa das estradas ou o mais longo dos voos seria realmente tão desafiador quanto o mergulho profundo na nossa própria e infinita imensidão. 

Minha viagem pessoal

Em 2015, aos 22 anos, parti para um intercâmbio acadêmico de um ano em Adelaide, cidade ao Sul da Austrália. Cruzar o mundo atrás de um sonho antigo de uma experiência internacional. 

Mais de 13 mil quilômetros de distância. Longe o suficiente para me isolar de qualquer um dos meus confortos habituais – família, amigos, rotina de faculdade de engenharia.

Um ano absolutamente recluso, exilado de tudo aquilo que sabia e dos olhares daqueles com quem eu convivia. Uma mudança que não me deixava outra alternativa: desbravar o que não conhecia. A começar por mim mesmo.

E 3 decisões foram realmente estratégicas naquela jornada. 

A primeira, sobre dieta. A segunda, sobre companhias. A terceira, sobre sonhos.

“Você é o que você come”

Saí do Brasil com algumas dezenas de caixas de Omeprazol na bagagem.
Vai que não encontro o remédio por lá?

Eu tomava Omeprazol todos os dias pela manhã havia mais de um ano. Antes da primeira xícara de café. Era uma espécie de esperança em cápsula para resolver um refluxo gastroesofágico que me acompanhava há meses. Uma pílula para amenizar os efeitos devastadores do que eu ingeria – e não me refiro à alimentação, que até era equilibrada. Aos 20 e poucos anos eu ingeria consistente e inconscientemente pensamentos negativos. Doses diárias de “não vai dar certo” acompanhadas de “eu não consigo” e, para sobremesa, “nunca serei realmente bom nisso”. Nenhum remédio dava conta de uma dor no estômago incessante e uma tosse seca que se fazia ouvir antes mesmo que eu chegasse a qualquer lugar. 

Foi na Austrália que tomei consciência sobre aqueles pensamentos. Não que eu ainda não os consuma. Vez ou outra, como quem escorrega em uma dieta regrada, ainda caio nesses erros. Mas, de lá para cá, formulei estratégias para não recorrer a eles novamente – nem aos pensamentos nem ao Omeprazol. 

Com menos de um mês de Austrália, joguei todas aquelas caixas de Omeprazol fora. 

Nada contra o remédio ou sua utilidade. Mas, definitivamente, eles não eram a solução. Um desvio na rota que me levaria até a compreensão real sobre aqueles pensamentos. Para aquele mergulho profundo em mim mesmo, melhor não tê-los por perto.

“Diga-me com quem andas”

Conheci minha esposa, Vanessa, em Adelaide. 

De 2015 ao altar, em 2024, vivemos uns quase dois anos de namoro à distância, na ponte área Rio – Curitiba, seguida pela mudança dela para minha cidade de origem (RJ) e a construção efetiva da rotina à dois. 

Dos traços de personalidade dela que me encantam e são razões para essa construção a dois, um dos mais importantes para essa minha jornada interior são o inconformismo e a capacidade de gerar espaços

Vanessa é uma inconformada por essência – e por excelência! Não admite que situações desconfortáveis se tornem cômodas zonas de conforto. Naquele nosso início na Austrália, ela me fez as primeiras perguntas profundas que geravam longas reflexões pessoais. 

Lembro-me de uma vez, em nosso início de relacionamento, ter dito a ela que tinha medo de ser feliz. Simplesmente acreditava que felicidade não era para mim – e que, quando tudo parecia bem, a vida se encarregava de revirar e me dar razões reais para desacreditar na minha sorte. Naqueles dias, poucas declarações minhas pareceram ter gerado tanta revolta nela quanto essa. 

Ainda bem que ela tratou de me demonstrar o contrário – e de gerar os espaços para que, cada vez mais, eu pudesse me conhecer e ser exatamente quem desejava ser. 

Espaços para que eu siga me conectando cada vez mais à minha essência.

Vanessa me prova diariamente que o caminho solitário pelo mundo interno é melhor atravessado ao lado das companhias certas. 

Por falar nas companhias certas, desde o retorno do Intercâmbio, comecei a fazer terapia.  E, desde então, nunca mais parei. Não quero mais me permitir perder essa conexão comigo mesmo.

“Você é o único representante dos seus sonhos na face da Terra”

Quando recebi a notícia da minha aprovação para aquela experiência de intercâmbio, experimentei pela primeira vez a concretização de um sonho. A sensação de empreender um projeto realmente meu e ser capaz de tirá-lo do papel, de ponta a ponta.

A primeira sensação associada a essa realização foi: deu trabalho.
A segunda: valeu a pena. Demais! 

Mergulhar no seu mundo interior pressupõe encontrar crenças nem sempre tão construtivas, como algumas que relacionei acima. Mas é também o movimento estratégico para conhecer e reconhecer nossos verdadeiros desejos. 

O primeiro grande passo para identificar com mais clareza aquilo com que sonhamos – e não os objetivos definidos para nós por outras pessoas (familiares, gestores, amigos).

Poucas sensações hoje são tão incrivelmente viciantes para mim quanto essa satisfação de tirar meus sonhos do papel! 

Vale toda a dedicação para o mergulho interno. O reconhecimento dos sonhos. O empenho e até sacrifícios no caminho para torná-los verdade. Para a psicologia positiva, essa é uma estratégia inegavelmente importante para potencializar seu bem estar subjetivo e sua sensação de felicidade com a vida. 

Uma viagem que não se mede em Km’s

O cenário do início dessa minha longa viagem pessoal foi realmente distante. Do outro lado do Mundo. Fundamental para o meu processo, não pela distância, mas sim pelo silêncio. 

Estar disposto a se conhecer não exige necessariamente escolher o destino mais inóspito – e sim o mais silencioso. Acessar o lugar onde o barulho do mundo não te alcance. Onde você seja capaz de ouvir somente as vozes que realmente importam: 

aquelas que vêm de dentro. 

Exige quebrar crenças. Deixar pelo caminho algumas distrações. Escolher as companhias certas. Conhecer os seus reais anseios, desejos, sonhos. Enxergar a si mesmo. 

Na tradição Hindu, Brahma, o Deus dos Deuses, sabia que seria uma viagem realmente desafiadora. Um trajeto desconfortável. Tanto que foi por lá que escondeu a Felicidade

O quanto você está realmente disposto(a) a buscá-la?!

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