Por Igor Monteiro, consultor de aprendizagem corporativa e especialista em design instrucional.
Voltávamos de uma viagem à Serra. Num dia normal, 1 hora e meia de casa. Final de semana delicioso, rodeado dos amigos de infância.
A volta corria bem até a chuva apertar e o Waze começar a indicar contínuos aumentos do horário de previsão de chegada. Mais 20, 30, 40 minutos. 1 hora… olhares atento aos celulares em busca de respostas às perguntas naturais
– o que aconteceu?
– quando acaba?
– será que falta muito para passar o acidente?
Em poucos minutos, tínhamos respostas precisas para cada uma das perguntas. Notícias de acidentes. Neblina na serra. Informações que justificavam o trânsito pesado, amenizavam um pouco da ansiedade de não saber o que aconteceu. Porém que, em nada, ajudavam a resolver efetivamente o problema.
Nossa sede naturalmente humana por controle parece ter alcançado seu mais puro estado evolutivo.
Apps nos informam quando chegará nosso Uber. Quando chegará nosso jantar. Que horas chegaremos ao destino. Recalculam a rota, indicando opções àqueles que preferem se arriscar a ganhar algum tempo.
Como é sedutora a narrativa da previsibilidade!
A produtividade. A precisão. As métricas. A rotina de alta performance.
Fetiches típicos dos nossos tempos em que tudo deve ser medido – os litros de água; os passos dados; a quantidade de proteínas e carboidratos; as horas dormidas; as calorias gastas.
Afinal, “O que não pode ser medido, não pode ser melhorado”. Você certamente já ouviu essa aqui no trabalho
As improváveis conquistas
Antes que eu possa soar incoerente por aqui, também sou adepto da rotina regrada.
Há na disciplina e no planejamento de conferir à vida alguma previsibilidade uma inegável beleza, sem a qual seus sonhos não saem do papel. Realiza mais quem planeja melhor.
Mas as histórias das quais nos orgulhamos, aquelas que compartilhamos em uma roda cheia de amigos, têm ao menos um elemento em comum: o imponderável. O inesperado. O elemento surpresa.
Os imprevisíveis desvios de rota bem aproveitados. Os sinais verdes indicados pela vida, frente aos quais optamos por acelerar rumo a um desconhecido. Decisões fora do radar que efetivamente transformam nossas trajetórias.
Funcionou comigo
Tive a sorte de descobrir minha vocação cedo – em um desses sinais verdes.
Era 2015, vivia em Adelaide, Austrália. Intercâmbio de um ano, pela Faculdade. Graduação em Engenharia Química.
Certo dia, decidi fazer acupuntura. Experimentar o tratamento. Cruzei uma das ruas próximas ao apartamento em que morava, entrei em uma clínica que oferecia esse serviço e comecei.
Alinhamento dos astros, pura sorte, o acupunturista era brasileiro. Luciano. Vivia ali na cidade há uns 8 anos, vindo do Paraná.
Luciano passou a ser um mentor naqueles dias. Seus 15 anos a mais de experiência e visão mais holística do Mundo renderam conselhos importantes à minha formação pessoal, naquela altura com 20 e poucos anos.
E Luciano era casado com Antonetta – australiana de origem italiana que nutria o sonho de aprender um pouco de português. Me chamou para ser professor de português dela e de um outro australiano, Jason, cujo sonho era visitar o Brasil.
Aquela altura da vida eu até dava aulas particulares de Física, Química e Matemática para uma galera do ensino médio. Era didático e me ajudava a juntar dinheiro. Português me parecia um pouco distante.
Nenhum planejamento daquele ano de intercâmbio poderia considerar aquele convite.
Era o inesperado sinal verde da vida aberto. Aceitei.
Ali, naquelas aulas de Português para estrangeiros, nascia o desejo de trabalhar com aprendizagem para adultos. Aprimorada depois para a atuação como designer de experiências de aprendizagem in company.
O abraço no improvavél que determinou, de várias formas, o meu futuro.
A arte de deixar espaços vazios na agenda
A inesperada ligação com uma boa notícia em uma terça-feira despretensiosa. O convite surpresa para uma atividade completamente nova. O caminho sem destino no meio da viagem planejada – e que te leva aos mais impressionantes cenários. Os encontros e desencontros não marcados – e que mudam radicalmente nossas histórias.
Nada disso cabe na agenda. Não é previsto pelo Waze. Está fora do alcance de qualquer planejamento. Longe das páginas de qualquer agenda.
A beleza que mora no improvável.
Meu convite para você, na coluna de hoje, é cruzar sem medo alguns desses surpreendentes sinais verdes. Deixar espaços na agenda para viver o que não foi planejado. Responder sim a um não aparente – e deixar de lado, somente por alguns instantes, o mapa, o foco, as métricas, os dashboards.
A felicidade pode estar caminhando sem rumo por lá.


