Por Danilo Luiz, cofundador da Voz Futura, para a newsletter Voz Futura, em colaboração com a Infomoney
No futebol, as vitórias que o público vê são apenas uma parte da história. Por trás de cada gol, há batalhas silenciosas travadas entre dor, esperança e recomeço. Paulinho, jogador do Palmeiras, conhece bem essas linhas invisíveis do jogo. Da base ao profissional, das contusões às conquistas, ele aprendeu que a maior superação é continuar acreditando — mesmo quando o corpo pede pausa e o mundo duvida.
Nesta entrevista para a Voz Futura, Paulinho fala sobre as viradas que marcaram sua trajetória, o papel da família nas decisões mais difíceis e a importância da educação financeira como ferramenta de liberdade e propósito. Com o mesmo olhar atento que leva ao campo, ele compartilha aprendizados que vão muito além do futebol: sobre fé, ancestralidade e a coragem de se manter fiel a quem se é.
1) A gente sabe que o futebol exige muito da gente dentro de campo, mas fora dele também tem as lutas invisíveis. Qual foi o maior desafio pessoal que você superou para estar onde está hoje?
Meu amigo, você sabe bem que são muitos os desafios que vivemos durante toda a nossa trajetória para chegarmos onde estamos hoje. Mas acho que o principal desafio de todo atleta é esse funil que esmaga muitos sonhos. Sempre conversamos aqui em casa sobre aqueles que não conseguiram, que não fizeram a virada, seja para um grande time ou até mesmo para conseguirem viver do futebol. São muitos os exemplos de caras que conviveram comigo e ficaram pelo caminho. Contigo também, tenho certeza. A gente acompanha, tentamos ajudar de alguma forma, mas é muito complicado. A base não te prepara para esse momento e se você não tiver uma família estruturada ou um plano b engatilhado, sua vida passa a não fazer mais muito sentido. É preciso olhar com muito carinho para esse lado do futebol. Então o meu maior desafio acho que foi conseguir fazer essa virada, com muito esforço e muito apoio em casa, da minha família. Os outros desafios invisíveis estão nas contusões né? Tive duas contusões muito graves, que me deixaram muito tempo sem poder fazer o que mais amo. Estou me recuperando de mais uma agora. E o desafio é sempre seguir em frente.
2) Quando você olha para trás, tem algum momento da sua vida que você percebe que mudou completamente o rumo da sua história?
Quando você vence essa barreira na base é o momento que a sua vida muda de rumo, as portas se abrem e passa a depender exclusivamente do seu potencial. Porque até então a nossa carreira depende de muitas coisas, inclusive da sorte de estar no lugar certo, no momento certo. Quando vou do Madureira para o Vasco e começo a me destacar muito cedo, chegando no profissional ainda com 16 anos, é quando a gente percebe que a vida mudou. Depois teve a venda para a Alemanha, um momento importante para o Vasco e de desafios para a minha família como um todo, a contusão, as desilusões, a volta por cima no Atlético e agora o desafio do Palmeiras. São muitos momentos inesquecíveis na minha trajetória.
3) Falar sobre conquistas financeiras ainda é um tabu, mesmo no mundo do futebol. Como foi o seu processo de entender sobre investimentos e organização financeira? Você se considera um cara organizado neste sentido?
Ótima pergunta Danilo, que tem total conexão com a minha primeira resposta. O jogador de futebol que não tiver uma organização financeira nos dias de hoje corre o risco de não aproveitar a vitória que foi ter passado pelas barreiras das categorias de base até chegar no profissional. A carreira do jogador de futebol é curta, não linear e pode terminar de uma hora para outra. Claro que buscamos apoio de profissionais especializados em investimentos e organização financeira, mas precisamos ter uma noção básica, precisamos saber o que queremos, precisamos orientar bem para depois não sermos pegos de surpresa. Então hoje é uma necessidade!
4) Você tem alguns projetos próprios, como o Instituto Paulinho. Como você considera que a educação e organização financeiras foram importantes para a realização deles?
O Instituto Paulinho é a realização de um sonho meu e da minha família. Sempre tivemos essa ideia de devolver para o Universo uma parte do que conquistamos, daquilo que recebemos. Minha mãe fala muito isso. Hoje estamos dentro das escolas públicas, trabalhando com Educação, levantando temas como Educação Antirracista, as Hortas Ancestrais, levando conhecimento para aqueles que mais precisam. Sempre falo que o objetivo do nosso trabalho é dar para essas crianças a oportunidade de elas sonharem, delas serem o que quiserem ser no futuro. A verdade é que o filho do pobre hoje não pode sonhar, não pode ser o que quiser, porque ele precisa trabalhar para ajudar em casa desde muito cedo, seguir a profissão do pai ou da mãe e perdem a oportunidade de se qualificarem. Mas todos nascem com uma habilidade, com um conhecimento. Precisamos identificar, reconhecer e trabalhar essas habilidades deles, para que eles possam ser o que quiserem. E claro que abrir o Instituto faz parte de um planejamento financeiro de longo prazo, porque a gente não queria abrir e ter que fechar logo depois porque ficou algo insustentável. Então existe todo um planejamento de longo prazo para que o Instituto ainda possa crescer e mudar a vida de mais crianças e mais famílias.
5) O que você ainda sonha conquistar fora do futebol, como pessoa?
Como você sabe meu amigo, sou uma das maiores vítimas do racismo religioso que sempre existiu no Brasil, mas que ganhou ainda mais voz com as redes sociais, com a possibilidade deles se esconderem atrás de perfis fakes. Desde quando passei a comemorar meus gols com a flecha de Oxóssi, em respeito à minha religião, que é a mesma da minha mãe, da minha tia, passei a ouvir muitas coisas ruins. Mas também tive um retorno muito bom dos meus, daqueles que estão na luta com a gente, aqueles que respeitam a questão ancestral, a religião de matriz africana, o candomblé. Então uma conquista para mim fora do futebol seria a conquista do respeito. Não estou pedindo para seguirem a nossa religião, acreditarem no que acreditamos. Só estou em busca de respeito. E uma coisa é certa amigo, eu não vou recuar. Não vou me esconder, nem me omitir. Sempre que puder vou expor mesmo, em busca de respeito.



