Por Giulia Amendola
No coração de São Paulo, nasceu a Barrilete, a primeira livraria do Brasil totalmente dedicada ao universo esportivo. Mais do que um espaço de venda de livros, a iniciativa criada por Carlos Eduardo Mitsuo Nakaharada, um advogado, e Diego Polachini, defensor público de carreira, é um ponto de encontro para quem acredita que o esporte também se conta em palavras, páginas e histórias. A livraria reúne títulos nacionais e internacionais que dialogam com futebol, corrida, olimpíadas e outras modalidades, sempre com o objetivo de valorizar a produção editorial e cultural ligada ao esporte.
Em entrevista à Voz Futura, Carlos Eduardo fala sobre os desafios e alegrias de empreender em um nicho tão específico e apaixonante. Ele compartilha a trajetória da Barrilete, a recepção do público e a importância de construir um espaço que conecta leitores, torcedores e apaixonados pelo esporte em todas as suas formas.
Vocês vieram do mercado corporativo, mas precisamente da advocacia. O que os inspirou a deixar esse mundo para abrir a Barrilete, a primeira livraria dedicada 100% ao futebol em São Paulo. Como esse sonho começou? Vi que foi na pandemia, mas de onde veio essa fagulha?
Nós sempre gostamos de futebol e eu, especificamente, coleciono camisas e livros de futebol. Sou são-paulino de nunca perder jogos no Morumbi e também gosto de frequentar outras arquibancadas e viajar para ver jogos. Durante a pandemia, ficamos dois anos distantes das arquibancadas e isso foi uma grande angústia. Daí, quando o governo uruguaio anunciou que liberaria a entrada de estrangeiros para a final da Copa Libertadores da América de 2021, resolvi me afastar do escritório onde trabalhava e tirar um período sabático. Em Montevidéu, conheci uma livraria dedicada ao futebol e na mesma viagem atravessei o Rio da Prata para Buenos Aires e lá conheci outras duas livrarias também exclusivas de futebol. Em 2022, também conheci uma livraria esportiva em Madri. Foi quando surgiu a ideia de trazer para cá esse formato. São Paulo, particularmente, viveu um movimento de abertura de livrarias pequenas e nichadas, e uma somente de futebol ainda não existia.
Vi também que o nome Barrilete vem do célebre gol de Maradona em 1986. Como essa escolha simbólica se reflete na identidade da livraria e no tipo de experiência que vocês querem construir?
Somos maradoneanos e pelezistas. Infelizmente, o Pelé não tem um gol batizado com a mesma beleza do nome barrilete cósmico. Aquele gol do Maradona e a narração feita pelo Victor Hugo Morales é uma das mais belas combinações entre futebol e literatura. A descrição de todo o lance do gol, desde a arrancada do Maradona ainda no meio do campo, é pura poesia.
Como foi o processo de curadoria para criar essa combinação de literatura, memória e futebol?
Tenho uma coleção de livros relacionados ao futebol. A partir dos títulos que eu já possuía, fiz um trabalho de pesquisa em bibliotecas e junto a várias editoras para compor o nosso acervo. E os nossos livros não são somente aqueles diretamente dedicados ao futebol. Mesmo aqueles em que há uma referência ao esporte, uma emoção ligada a si, estão nas nossas prateleiras. Um exemplo é “O carteiro e o poeta” do Antonio Skarmeta, que possui uma cena marcante envolvendo um jogo de pebolim (totó ou fla-flu, dependendo do lugar). Temos até livros do Lima Barreto, um dos maiores detratores do futebol no Brasil no começo do século 20.
A livraria não é só um espaço de venda: tem café, cerveja, estádio na TV e roda de conversas. Como transformar a Barrilete num ponto de encontro contribui para reforçar o papel de livrarias como centros culturais?
Livrarias de rua são pontos de encontro, onde pessoas com interesse em comum buscam se reunir. A Barrilete está se tornando um lugar em que torcedores de todos os clubes vão não somente à procura de livros específicos, mas sobretudo para conversar sobre futebol. E o ar boêmio do Bixiga contribui em muito para que essas conversas se estendam, sempre regadas a boa bebida. Em São Paulo, em razão da incompetência das autoridades, perdemos muito dessa convivência futebolística. Clássicos são de torcida única, bandeirões com mastro e cerveja são proibidos nos estádios. Daí, queremos resgatar aqui essa cultura de futebol, para que torcedores possam conviver e assistir a jogos juntos, que felizmente ainda é viva no Rio de Janeiro.
Num cenário onde o livro físico enfrenta desafios, como vocês enxergam o papel de uma livraria de nicho como a Barrilete para inspirar e manter vivo o mercado de literatura esportiva, especialmente entre jovens leitores?
Uma livraria de nicho é sempre um convite para conhecer o novo. Em São Paulo, temos livrarias dos mais variados nichos: infantis, de autoras mulheres, de arquitetura, de editoras e autores independentes, literatura preta, de artes gráficas dentre tantos outros temas. Uma livraria dedicada ao futebol, como a nossa, serve para manter viva a ideia de que o futebol é parte importante da sociedade. E conversando com o leitor, a partir de seus gostos e preferências, sempre é possível identificar algum livro que possa saciar a sua busca por conhecimento ou entretenimento.
O negócio próprio de vocês dois tem algum benefício frente ao mercado corporativo? Vejo que às vezes quando tem jogo vocês fecham mais cedo, vocês acham que, apesar da pressão de empreender, hoje vocês têm mais liberdade?
Quando o São Paulo joga no Morumbi, a livraria sempre fecha mais cedo, pois sempre vejo as partidas na arquibancada. A livraria tem um ambiente bem mais leve do que no mundo corporativo. Mesmo entre as livrarias de rua, não há um espírito de concorrência, mas sim de cooperação para fortalecimento da cena livreira. Nas conversas com os leitores, os livreiros sempre indicam outras livrarias que podem se identificar com os seus gostos. Em comparação com o mundo corporativo, as dificuldades são outras. Nunca tive experiência com comércio ou administração de uma empresa. Sempre tinha trabalhado somente na área contenciosa em escritórios de advocacia. Estou aprendendo na prática a administrar uma livraria e faço tudo sozinho. Costumo brincar que sou responsável desde pela parte financeira até limpar o banheiro. As cifras são menores, mas nunca tivemos prejuízo. Entretanto, ainda não conseguimos ter funcionários, por exemplo.








