Por Marco Antonio Rocha para a Voz Futura
Os refletores iluminam as rugas que, entalhadas pelo tempo, evidenciam histórias que merecem a nobreza dos palcos. São dançarinos de 60, 70, 90 anos que desafiam muito mais que os limites do próprio corpo, sapateiam sobre os preconceitos e bailam com a alegria de sonhar. O grupo surgiu por iniciativa da professora Rafaeli Mattos, que em 2013 surpreendeu-se com a quantidade de idosos procurando suas aulas, então voltadas a crianças, adolescentes e jovens.
Cinco anos depois, já colecionava participações em festivais como o Tap in Rio e Dança Ageless. Agora, ensaia para o espetáculo “Gingers: Uma obra de arte do tempo”, que volta aos palcos cariocas para uma nova temporada entre 31 de julho e 2 de agosto, às 19h, no Teatro Municipal Gonzaguinha, no Centro.
“Esse trabalho busca valorizar corpos esculpidos pelo tempo, revelando possibilidades de envelhecer de forma digna e feliz. Mais do que os benefícios físicos, a experiência estética do sapateado promove um comprometimento com a vida, preenchendo a velhice de novas experiências”, ressalta a professora, que usou todo o prêmio recebido no “The Wall”, quadro do programa Domingão com o Huck, para montar as duas temporadas de “Gingers”: “Quando eles chegam aos festivais, as pessoas acham que estão ali para acompanhar um filho, uma neta… E todos ficam emocionados quando descobrem que são, na verdade, as estrelas”.
Em uma arte marcada pelo etarismo, Rafaeli foi tirada para dançar justamente pelos idosos. E permitiu-se ser levada por cada passo
“Aos 25 anos, me perguntaram o que planejava fazer, já que estava velha para dançar. Hoje essas pessoas provam que viver é algo que independe de convenções. Fiquei tão envolvida que decidi retornar à universidade para fazer um doutorado sobre os idosos na dança”, orgulha-se a coreógrafa, frisando que o aprendizado no dia a dia é ainda maior: “É impressionante como todos os alunos chegam falando que querem realizar o sonho de sapatear, como viam nos filmes. Trabalhar com eles é estar próximo do envelhecimento e ao mesmo tempo entender que temos muita vida pela frente, que podemos nos inventar e reinventar”.
Moradora de Maricá, Jacyra da Conceição é a dançarina mais idosa do grupo. Aos 90 anos, não perde uma aula na Rua do Catete 72, Zona Sul do Rio. E pouco importam os cerca de 65 quilômetros de distância e mais de uma hora de viagem, percorridos religiosamente de ônibus, aos sábados.
“A dança é minha maior alegria, jamais imaginei que chegaria a essa idade descobrindo tantas amigas, sendo tratada com um carinho tão grande. Isso me dá ainda mais energia e alegria para viver”, diz a enfermeira aposentada


