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Em trânsito: quando a saída mais fácil é apenas sair

Em trânsito: quando a saída mais fácil é apenas sair

E quando entenderemos que ser fácil é algo bom?

Por Pedro Pirim, cofundador da Voz Futura

Às vezes a saída mais fácil é apenas sair. E ser fácil não significa que é melhor ou pior. Significa apenas e somente: sair. A gente cresceu ouvindo que é preciso “aguentar firme”. Que “quem desiste não vence”. Que “fugir” é sinônimo de fraqueza. E então passamos a associar ficar com coragem, e sair com covardia. Mas e se for o contrário? E se a fuga na verdade for proteção e autocuidado?

Eu tenho um problema sério com “fins”. Não à toa eu fazia, não faço mais, parte dos “inimigos do fim” dentro do meu grupo de amigos. Por que a festa precisa acabar, a cerveja precisa parar de chegar, precisa ter hora para parar de trabalhar? Por que e quem inventou que um dia tem apenas 24h para fazer tudo que eu posso e quero fazer?

Por que sentimos culpa em ir embora de um lugar que já não cabemos? De um trabalho, uma relação, um projeto, uma cidade ou até de uma versão antiga de nós mesmos na qual não nos reconhecemos. Aquilo que alguns chamam de fuga eu prefiro chamar de instinto. Dentro daquela linha do “fight or flight”. Sabe? Se somos animais o suficiente para nos guiarmos por esses dois impulsos, por que deveríamos descredibilizar o “voar” dessa equação. E se eu só quiser voar? É tão ruim assim? O que por sua vez me faz lembrar o Mito da Queda de Ícaro e a letra de Ismália o Emicida:

“Olhei no espelho, Ícaro me encarou:
Cuidado, não voa tão perto o sol
Eles não guenta te ver livre,
Imagina te ver rei”

(…)
“Quis tocar o céu mas terminou no chão” – e é aqui que me pego em dúvida e possível contradição, mas logo percebo que mesmo tendo caído, Ícaro não deixou de voar. Por que isso importa? Porque é melhor que viver preso. O lance é encontrar o equilíbrio das asas e do voo. Diferente do que aconteceu com Ícaro. Portanto, que sirva de aprendizado.

Dito isso, eu li recentemente em um post do The Summer Hunter: “Às vezes, uma passagem só de ida realmente é o passaporte pra um novo começo. Especialmente quando o seu incômodo vem de fatores externos relacionados ao lugar onde você vive. Mas trocar de CEP não muda o que a gente leva na bagagem: pensamentos, padrões, noias e tretas internas.”
Mas o que faz a gente ficar? A gente fica porque aprendeu que ficar é sinônimo de maturidade, e que ir embora é imaturidade. Que quem vai embora “não deu conta”. Mas e se “dar conta” for justamente reconhecer que não precisa mais segurar o que já acabou? Não é sobre desistir, é sobre decidir. E decidir sair exige tanto ou mais coragem do que ficar. (lembrei da minha professora de yoga, Roberta Sertã: “Entra em balasana, encosta a cabeça no chão e deixa ir tudo que não te serve mais)

Talvez o difícil não seja ir embora, mas aceitar que algo terminou.
Porque fim é palavra que dói. Está associada a morte e a morte é algo que tentamos mas não sabemos explicar. O que acontece depois? Talvez essa associação inconsciente nos faça ter tanto medo do fim, afinal. E a gente foi condicionado a evitá-la – a morte, o fim. Mas e se enxergarmos o fim também como começo, assim como Raul Seixas em o “Fim, Início e o Meio”?

A gente adia a saída esperando que algo mude, que o cenário melhore, que a dor diminua, que a coragem venha. Mas a coragem não vem. Ela se faz no ato de levantar e ir. (será que é sobre isso o projeto da Lara Davila: “Levanta e vai?” Não sei). Sair de um lugar, de uma dinâmica, de um ciclo que virou vício. E, quando a gente finalmente sai, percebe que o peso que carregava se chamava culpa. A culpa de ir embora quando todo mundo parece permanecer. Mas e se ficar for a verdadeira fuga? E se insistir no que já acabou for o que realmente machuca?

O que parece mais fácil, às vezes, é também o mais difícil de fazer. Douramos a coisa toda desse jeito. Mas e se sair for um ato de amor? Sair porque ficar já não é mais sinônimo de presença, e sim de resistência.

E o tempo ensina com a delicadeza de um soco no estômago e um peteleco na testa que resistir e existir não são a mesma coisa.

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