Por Pedro Pirim Rodrigues, cofundador da Voz Futura.
Vivemos em um mundo que me parece cada vez mais dividido e em todos os aspectos da vida. Se você gosta de uma coisa, parece que automaticamente você precisa detestar a outra. Os jovens chamam de polarização. Em tudo e pra tudo. Para além da política, que é um dos grandes campos de batalha dessa tal polarização, mas também nas formas como a gente enxerga consumo, trabalho e convivência social. De um lado, a inteligência artificial promete escala infinita: produtos e serviços replicados em massa, custo marginal perto de zero, tudo rápido, barato, acessível. É enlouquecedor mesmo. Do outro, cresce a busca pelo que é raro, humano, artesanal, autêntico – mas eu nem vou entrar nessa do que é autêntico agora porque se não já viu né?
Esse contraste não é só sobre tecnologia. É sobre cultura. É sobre a tensão entre o que é abundante e o que é escasso. Entre aquilo que vira commodity e aquilo que ganha status de luxo.Historicamente, tudo que se produz em larga escala perde valor agregado. Vira comum. Substituível. A IA acelera isso. Textos, imagens, músicas, diagnósticos médicos, tudo pronto em segundos, com eficiência feroz. Mas justamente por essa massificação, abre-se espaço para o oposto: para o vinil que voltou a ser cult, para o Rolex que continua sendo símbolo de status principalmente capitaneado pelos torneios de tennis e tennistas, para a carta escrita à mão que emociona mais do que mil mensagens no WhatsApp. Sim, porque mostra que a pessoa gastou a mufa dela ali em algo artesanal. Ela foi na papelaria escolher o papel, a caneta, a cor, tudo.
Um aplicativo pode atender milhões de pessoas ao mesmo tempo, mas não pode oferecer a sensação única de algo feito sob medida, com histórias, vínculos e afetos (pelo menos eu acho, e pelo menos não por enquanto. Ou, pelo menos, é essa a história que eu quero acreditar). É como se o mundo estivesse empurrando a gente para uma curva em dois extremos: de um lado, a abundância barata. Do outro, a escassez cara.
A terapia é um bom exemplo. Já existem chatbots que simulam conversas terapêuticas, sugerem estratégias, até “escutam” em algum nível. Mas nenhum deles substitui a experiência de estar diante de outro ser humano, de compartilhar silêncios, de se sentir reconhecido no olhar. Como Yuval Noah Harari escreveu em Sapiens, nossa força como espécie não está apenas na razão, mas na capacidade de criar significados coletivos, mitos e vínculos sociais. E é nesse espaço de contato humano, insubstituível, frágil e escasso, que reside o nosso diferencial definitivo. – Me lembrei do experimento dos “Neurônios Espelho” – aqui vai uma definição rápida e gostosa extraída do Google:
“Os “neurónios espelho” (ou neurônios espelho – é porque tem uma diferença do português de Portugal pro Brasileiro) são um grupo de neurónios que se ativam tanto quando o indivíduo realiza um ato motor como quando observa outra pessoa a realizar o mesmo ato, sugerindo que podem estar ligados à empatia, à imitação e à aprendizagem social. Esta descoberta foi feita na década de 1990 pelo neurocientista italiano Giacomo Rizzolatti e a sua equipa (claramente português de portugal), na Universidade de Parma, em estudos com macacos.
No fim, essa polarização entre inteligência artificial e inteligência social não é uma escolha de lado. É a própria condição humana em tempos de abundância digital. O futuro não será máquinas ou pessoas. Vai ser a convivência entre elas. A IA oferecendo escala e eficiência. E nós preservando aquilo que é raro, e por isso mesmo, mais valioso: o encontro, a escuta, a experiência autêntica de estar com o outro. Agora pergunta: O quanto nós estamos realmente escutando, convivendo, vendo e vivenciando, de forma presente com o outro e com nós mesmos?
Em um mundo focado nos ganhos vindos com Inteligência artificial, negligenciamos aquilo que nos diferencia e nos faz humanos – a inteligência social e emocional.