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Em Trânsito: Como nossa dor pode se traduzir em amor? 

Em Trânsito: Como nossa dor pode se traduzir em amor? 

Por Pedro Pirim Rodrigues, cofundador da Voz Futura

Comecei a escrever essa coluna sem saber qual era o melhor título. 

Eis algumas versões para avaliação de vocês. 

“Sobre Amor e Empreendedorismo / O que amor e empreendedorismo tem a ver? / Relacionamentos e empreendedorismo / Como ter um relacionamento com quem empreende?”

Lembrei de uma conversa com um grande amigo meu sobre os desafios de empreender e como isso envolvia tantas camadas e transbordava para todas as nossas relações; família, amigos, casamento, amor. Em todas essas relações existe amor e em todas elas existem desafios, assim como em qualquer relação que envolva o verbo amar. 

Eu não sei se é só uma construção social ou se todos nós de fato vivemos a vida em busca de estabilidade. Também não sei se estabilidade significa a mesma coisa que equilíbrio. Ou talvez “estabilidade” seja só uma palavra mais chata para descrever o equilíbrio que muitas pessoas buscam (rs). 

Costumava dizer a mim mesmo que “navego bem pelo caos”. E não tem nada de romântico nisso. Eu aprendi assim. Não cresci em uma casa cheia de amor e afeto. Proporcionalmente havia muito mais momentos de briga e tensão do que de acolhimento e carinho. Cresci rodeado por oscilações de humor e em estado de alerta contínuo de quem sempre espera o próximo momento até a próxima briga. 

O Gabor Maté diz que uma criança não desenvolve TDAH por conta de um distúrbio cerebral, mas sim como um mecanismo de defesa frente a um trauma. É uma forma dela fugir de si mesma e da situação em que está. Eu nem acho que tenho TDAH – apesar de já terem tentado me colocar essa tarja. Sim, eu cheguei a tomar um remédio chamado “concerta”… Mas, voltando ao assunto, o meu trauma me gerou um mecanismo de defesa, e como eu não tinha muito para onde fugir, então aprendi a “lutar”. 

Sem bater de frente, sem brigar de forma violenta, ou “agressiva-destrutiva”. Nunca achei que essa fosse a melhor forma. Mas aprendi a navegar o caos dentro de casa. A briga, a violência, a agressão, me criou, sem querer, uma forma de entender que a vida seria assim. E como eu odiava viver no meio do caos, com muito medo e ansiedade, o que eu podia fazer? Qual o contorno que poderia dar aquela situação? Porque pode até existir raiva, mas que ela seja trabalhada de forma construtiva e canalizada para algo que promova a conciliação, mas não o ódio gratuito. 

Eu adoro o conceito de “sublimação” cunhado pelo Freud. Sublimar, de forma muito simples, é transformar nossas dores em uma forma de expressão que seja construtiva. Ele exemplificou esse conceito pela expressão artística, que transforma em belo aquilo que dói. Fiz isso com a minha dor, do meu jeito, da minha forma de ser e expressar, no empreendedorismo.

Aprendi sem querer que a minha zona de conforto se fazia no caos. Mas agora como eu posso transformar esse caos em alguma coisa bonita? Trabalhando. Empreendendo. Construindo. Porque dessa forma eu consigo sentir o gozo da instabilidade na qual me acostumei a viver, também chamada de “casa ou zona de conforto”, mas sem a necessidade de destruir. Muito pelo contrário. A minha raiva não se transformou em rancor, mas foi canalizada para o trabalho, que hoje posso fazer de qualquer lugar, que também passo a chamar de casa, onde sublimo a minha dor e transformo em objeto de amor. (agora sim, romantizando bastante)

Dito isso, o fato é que a vida de quem empreende passa por muitas instabilidades. Algumas propositais e outras circunstanciais. E a verdade é que nós, empreendedores, escolhemos isso (cada um pelo seu motivo). Escolhemos a instabilidade como parte do desafio e do gozo que é empreender. Afinal, a vida é muito mais legal assim. Mas é legal pra gente que escolheu, quem não escolheu e está do lado às vezes sofre, de repente até mais que a gente e a gente não fica sabendo. 

Nessa conversa com meu amigo ele me contou de uns 3 casos para além dos nossos (que somados dão 5 em um microuniverso) de empreendedores que sem querer fizeram com que suas parceiras fizessem parte daquele modo empreendedor de viver. 

A gente se acha muito flexível por que fazemos nossas agendas mas a flexibilidade geralmente se curva a nosso favor e não do outro. Escolhemos uma forma de ser e de trabalhar que favorece o nosso estilo de vida e não necessariamente do outro que escolheu um outro caminho que chamamos de mais “estável”. 

Empreender, ao meu ver, está muito ligado a resolver uma dor – não a buscar um propósito. Entender seu propósito é consequência da dor ou do trauma que você busca resolver dentro de si e no mundo. Tudo parte da gente. De ordem macro, social, politica, econômica, ambiental… Até o micro, relacionado a traumas, ao inconsciente, ao inconsistente ser de nós mesmos. Nossos medos e anseios se traduzem, se projetam, se refletem e perpassam por essas camadas. Daquilo que vem de dentro até a superfície. Daquilo que é nosso e do outro. Do indivíduo ao coletivo. E em meio a isso tudo, dividimos em nós mesmos entre medos e frustrações, gozo e prazer, uma simples vontade de ser. A vontade de sermos nós mesmos, enquanto repartimos com quem está à nossa volta, sem culpa ou penalidade, a instabilidade inerente do humano.

É difícil conciliar nossa dor com prazer apesar de se saberem tão próximas. É difícil explicar para quem não sente. É difícil sentir para quem tanto precisa de explicações para tudo. Quem empreende o faz porque busca transformar suas dores individuais e coletivas em expressão de afeto, acolhimento e amor. Amor é verbo e verbo não para a não ser que escolha por si e se faça em uma pausa. Se faz em movimento, sem restrições geográficas ou semânticas. É o ápice do sentimento de liberdade. Daquela que o trauma tirou, mas que você, empreendedor, resolvedor das dores, reconquistou e devolveu a si mesmo. Uma oportunidade, um respiro, um grito, uma forma que faça sentido, de quem sente muito, sente tudo e acredita ingenuamente que pode melhorar o mundo. 

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