Voluntários do projeto Pedra do Arpoador Conservação em dia de coleta e conscientização. Foto: Divulgação
As praias do Rio de Janeiro, conhecidas mundialmente por suas orlas deslumbrantes, enfrentam um sério problema ambiental: o lixo. Todos os dias, dezenas de toneladas de resíduos são deixados nas areias, resultado de maus hábitos de moradores e turistas. No Arpoador, apenas num fim de semana de janeiro a Comlurb recolheu 12,5 toneladas de lixo. Grandes eventos multiplicam os danos: quando a cantora Lady Gaga se apresentou na Praia de Copacabana, para mais de 2 milhões de pessoas, em maio, foram recolhidas 392 toneladas de resíduos. Mas uma legião de voluntários têm entrado em cena, mostrando como ações combinadas podem gerar grandes transformações a partir de pequenos gestos.
O projeto Pedra do Arpoador Conservação promove ações de limpeza e conscientização ambiental naquele pedaço de Ipanema há mais de 20 anos. “Pensando global e agindo local, foquei em limpar constantemente um trecho da Praia do Arpoador, por morar próximo”, conta a jornalista Fernanda Cubiaco, criadora do projeto. O próximo mutirão está marcado para o sábado 31 de maio, com mais de 150 voluntários já inscritos. A ação está dedicada ao Dia do Meio Ambiente e ao Dia do Oceano, celebrados respectivamente nos dias 5 e 8 de junho.
Em 2022, a iniciativa passou a fazer parte do programa Adote.Rio, da Prefeitura do Rio de Janeiro, em parceria com Joel Rodrigues, que já atuava no reflorestamento da restinga da Pedra do Arpoador. Os mutirões frequentes já chegaram a reunir até 300 voluntários em datas especiais como o Dia Mundial da Limpeza, em parceria com instituições como a plataforma Atados e universidades.
Voluntária assídua, a cantora e professora de música Adriana Piccolo relembra com carinho da sua primeira participação na ação da Pedra do Arpoador Conservação:
A cantora Adriana Piccolo (primeira à esquerda) com parceiros do projeto. Foto: Acervo pessoal
“Fiquei emocionada em ver a comunhão de diversos coletivos reunidos ali, em ver a presença e o engajamento de jovens e crianças, a gratidão de pessoas passando e testemunhando uma ação tão bonita. O trabalho coletivo é potente e transformador. Os individuais também, porque sabemos que o exemplo é a melhor forma de transformar”
Adriana Piccolo
Adriana enfatiza que o problema vai muito além da limpeza urbana: trata-se de uma questão cultural. Para ela, é urgente desconstruir ideias retrógradas como “isso é obrigação dos barraqueiros”, “a Comlurb vai limpar depois”: “A Comlurb trabalha constantemente, mas não consegue manter a cidade limpa sozinha”.
Os mutirões são organizados pela Bota pra Girar, com infraestrutura de tendas, cadeiras, mesas e luvas e coletes, e conta com parceiros doando lanches, como mate, frutas e biscoitos para o café da manhã dos voluntários. Os resíduos recolhidos nos mutirões são variados: desde bitucas de cigarro e canudos até copos, garrafas e latas. Fernanda destaca a importância de combater tanto os resíduos micro (guimbas de cigarro, canudos plásticos e suas embalagens) quanto os macro (copos plásticos, latas, garrafas) – uma das ações foi com a Green Mining, startup de logística reversa que transforma garrafas pet recolhidas em copos.
A organizadora comenta que é comum perceber, mesmo durante as atividades, que muitas pessoas ainda têm dúvidas a respeito do impacto do lixo descartado de maneira incorreta:
“Lidamos com pessoas com diferentes hábitos, e por vezes ignorantes quanto ao problema da poluição nas praias. Mas pra quem mergulha na missão, querer transformar o mau hábito do descarte incorreto de lixo vira quase uma obsessão, e já conseguimos virar muitas chaves”.
Fernanda Cubiaco
Fernanda Cubiaco, criadora do projeto há 20 anos. Foto: Acervo pessoal
Segundo Fernanda, a tarefa mais difícil é conscientizar a população, diante da diversidade de realidades sociais e culturais. Para atuar na conscientização, Adriana sugeriu criar um braço educativo dentro do projeto. A ideia, chamada Nossa Praia Limpa, é realizar oficinas, rodas de conversa e atividades reflexivas junto com ações coletivas que contribuem para a adoção de novas práticas cotidianas. Para ela, a conscientização precisa ser feita em várias frentes: não apenas pelos cidadãos e coletivos, mas também pelo poder público. Adriana sugere o retorno de campanhas educativas como a do personagem Sujismundo, que ocorria na década de 1970, até ações mais práticas, como a entrega de selos e certificados, reconhecendo os barraqueiros mais engajados em limpeza: “A Guarda Municipal poderia orientar os cidadãos, e as escolas poderiam criar como assunto nas disciplinas, para que o indivíduo se conscientize”.
Apesar do trabalho reconhecido, o projeto ainda carece de mais apoio efetivo de empresas e do poder público. Uma campanha de financiamento coletivo para instalar placas com QR codes informativos na área busca atingir mais apoiadores:
“Perseveramos há quase 10 anos e tenho certeza de que vamos conseguir realizar o plano de colocar as placas que informam sobre o trabalho lindo que estamos realizando, engajar mais pessoas a serem adotantes da Pedra do Arpoador conosco e conseguir um investimento mensal para que Joel receba para trabalhar na conservação do local, em reconhecimento à sua dedicação voluntária ao local nos últimos 20 anos”, explica Fernanda.
Apesar dos desafios, a organizadora mantém o otimismo e acredita que o projeto pode ser um símbolo de sustentabilidade urbana no Rio de Janeiro: “Esta ação pode e vai se tornar uma protagonista na defesa do nosso planeta Verde e Azul”.
* Estudante de Jornalismo da PUC-Rio, aluno da disciplina Planejamento Editorial da professora Itala Maduell, em colaboração para a Voz Futura.