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Apanha a Frequência: Não foi com “viu”, nem foi com “tá”

Apanha a Frequência: Não foi com “viu”, nem foi com “tá”

Paulo Pascoal estreia coluna quinzenal na Voz.

Por Paulo Pascoal, escritor.

Quem nunca viveu uma paixão avassaladora de primavera? D’aquelas que se estendem até ao verão, semeando profundidades para as regas excessivas do outono, com a expectativa de que sobrevivam o inferno. 

Começar o quer que seja, traz em si, essa especulação sobre a durabilidade: Vai dar certo? Não vai dar certo? Será que as flores que nos encantaram com seu esplendor primaveril deste ano, serão as mesmas no ano que vem vindo? A resposta talvez seja não. 

A flor, é apenas o resultado do cuidado que tivemos ao plantar a semente – porque antes da flor, insurge a planta e depois, quiçá, o fruto. O fruto, aqui, refiro-me à colheita, o receber, pelo sucesso na dedicação contínua. Mas não quero nem falar de árvores, porque aí, é toda uma nova responsabilidade e gostaria de manter esta crónica, digamos que, doméstica. 

Pensemos, por exemplo, numa Lantana ou numa Begónia – são plantas que podem florescer em qualquer altura do ano, inclusive, são plantas ornamentais, ótimas para canteiros sombreados, porque precisam de pouca luz e de pouca água. E deixem-me contar-vos, como um auto-proclamado “plant daddy”(1), é óbvio que tenho uma begónia-preta em casa, das mais de 1000 espécies que existem, com caules aéreos herbáceos, folhas verdes escuras e resplandecentes em tons de dourado e vermelho, mas muito honestamente, nunca me deram flores. 

A 21 de Fevereiro deste ano, 2025, inaugurava no Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a programação pública da qual fui curador “Coro em Rememória de um Voo”, e durante o evento, de 4 horas, circularam pelo espaço mais de mil pessoas até que reparei num ser, tal e qual begónia-preta em tons dourado. A sua luz, coruscante, refletia-se na minha visão periférica, quase que a ofuscava, tanto, que a dada altura me aproximei para sentir a sua folhagem e me apresentei: 

– Tou tá ver por todo o lado! Sou Paulo Pascoal. 

– Peter Arcanjo.

– Muito gosto. 

Peter, é de uma espécie rara, tupiniquim, de Vitória, Espírito Santo, e no reconhecer das nossas almas, um suspiro, um alento de sofreguidão sussurrou-me ao ouvido: “o meu nome soa bem com o teu sobrenome” (esta, é uma referência a música de Karol G, “Si Antes Te Hubiera Conocido”); e desde então que o sol da manhã nos dissolve, sendo fato não hipótese, como diria Marília Mendonça <<quem vai nos julgar?>>

Vivemos num mundo de impermanência constante, em que a idealização compulsiva retira-nos a pre-disposição de querer “ser para o outro” (à sugestão de Hegel) e disso ninguém está isento. A consciência que temos de nós, a autoconsciência, só se realiza plenamente através do reconhecimento e da relação com o outro. Ao enfrentar-nos com a possibilidade de amar, são tantos os receios e os questionamentos que nos assombram que corremos o risco de dizer “te amo” com uma interrogação que pode ser vista como retórica, mas muitas vezes é o manifesto de uma dúvida que todos temos: serei capaz de amar? 

“Te amo, viu?”

“Te amo, tá?”

O “viu”, conjugação do pretérito perfeito do indicativo da terceira pessoa do singular do verbo Ver, impõe a necessidade que a validação surja do outro lado como reposta, o que de certa forma sensibiliza ou fragiliza também o nosso auto-amor. 

O “tá” como interjeição pode tanto interromper ou mostrar intenção de parar uma ação, uma sucessão de incidências que podem não ser tão expressivas quanto, às vezes, gostaríamos que fossem. 

Amar é um ato revolucionário mas, nos dias que correm, amar só não basta. 

Contudo, amorosidade se constrói, e isso faz-se diariamente. É como cuidar das plantas. O cheiro, o toque, o calor, a energia do outro são imprescindíveis para termos neurónios de melhor qualidade, e em última análise, é isso que nos enaltece. A vontade de manter a chama do nosso desejo em comum o mais duradoura possível. 

A begónia-preta dourada de espécie humana tem me dado muitas flores desde o início da primavera. Pedindo consentimento para o primeiro beijo, me pedindo em namoro e me regando de abraços com cada palavra. E agora que se aproxima o outono, espero que consigamos sobreviver o inverno, porque o último “te amo” que ouvi, não foi com “viu”, nem foi com “tá”. 

Desta feita, tal como com Peter, espero que a nossa nova relação com esta crónica, floresça, e que possamos juntas colher frutos de amor. 

– Olá, sou Paulo Pascoal, a vossa nova Voz Futura! 🙂

(1) “Plant daddy” – alguém, geralmente homem, apaixonado por plantas, especialmente plantas de interior, e que as trata com cuidado e atenção, muitas vezes comparando seu cuidado ao de um pai.

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