Por Paulo Pascoal
Conheci Libra na festa de aniversário de uma amiga. Contou-me que já teria passado por mim várias vezes na rua e que, apesar da vontade imensa de me saudar, retraía-se. Perguntei-lhe se teria eu uma cara de indisponível — se não seria essa a razão para não se aproximar. Respondeu que ela e o namorado também andavam com “resting bitch face”. Rimo-nos as três.
No dia seguinte, ainda a regozijar-me com o encontro, enviei-lhe uma mensagem:
Libra, que arte incrível!
“Apesar de vizinhos, não sei em que mundo vivia, mas fico feliz de ter apanhado a tua frequência agora. Passei a noite a ouvir-te, e que lindo, forte, inspirador — ou melhor, inspiralívio.”
Eis o título da minha escrita intuitiva desta manhã.
Passei a noite a ouvir a sua música — talento e obra, composição e poesia — tudo exímio num corpo de trabalho que me surpreendeu por ainda desconhecer. Ao tentar dizer que o seu trabalho era inspirador, percebi a dor embutida nessa palavra e retirei-a, transformando-a em inspiralívio. Mais do que um neologismo, um preciosismo.
O segundo encontro
Outro encontro precioso aconteceu na conferência Corpus Visíveis, para a qual fui convidado por Wel Medeiros a integrar um painel com pessoas dissidentes de género — mas não pude, não coube na agenda.
Tandy 3000, Tomás Drouin, Pietra Coelho, Gloriosa Neto e Rezmorah foram algumas das figuras chamadas à conversa neste projeto que se ergue contra o apagamento de pessoas trans e não-binárias.
A exposição fotográfica, assinada por Guy Danieli, apresentava imagens-faróis contra a escuridão — corpos que são testemunho vivo de resistência e possibilidade.
O que mais me tocou na conversa foi quando Rezmorah partilhou um dado inquietante: a nossa conexão com a natureza declinou 60% nos últimos duzentos anos. Desde 1800, temos vivido uma crescente desconexão com o natural, promovendo o risco de extinção da experiência da natureza nas obras literárias e nas artes plásticas. Palavras como rio, musgo, desabrochar estão a desaparecer do nosso vocabulário sensível.
“A conexão com a natureza é agora reconhecida como uma das principais causas da crise ambiental. É de vital importância também para a nossa saúde mental. Ela une as pessoas e o bem-estar da natureza. Há uma necessidade de mudança transformadora se quisermos mudar a relação da sociedade com a natureza.” — Miles Richardson, professor de Conexão com a Natureza na Universidade de Derby.
A solução parece óbvia: promover a relação das nossas crianças com a natureza e multiplicar os espaços orgânicos nos centros urbanos. Mas, mais importante ainda, é reconhecer que nós também somos natureza — o nosso corpo é natureza, e é para ela que regressa. Sair dos núcleos de betão — ou, se não for possível, procurar aquele sítio com grama, árvores, riachos, areia, mar — é vital. Quanto mais vezes, melhor.
O terceiro encontro
Na sequência da nossa natureza — e da morte, porque morremos, e todos morreremos — sinto que o mundo está em permanente luto. Eu estou em luto. Oscilo entre a negação, a raiva, a barganha, a depressão, a aceitação — e repito tudo de novo. Imagino isso replicado em oito bilhões de corpos. Enquanto tento elaborar o meu luto da forma mais criativa possível — escrevendo e performando — encontro tranquilidade ao ouvir a psicóloga, filósofa e mulher enigmática Maria Homem.
O universo foi generoso comigo: bastou uma semana a ouvi-la todas as noites para que a vida a trouxesse até mim. A mesa de conversa com Maria Homem no centro, aconteceu no Wel Wells, e estava esgotadíssima. Mas, com a minha habitual falta de noção, nem vi essa informação — e fui. Ao chegar, a organizadora perguntou-me se tinha reserva. Respondi que não.
Ela sorriu e disse:
“Tem sorte. Há uma única cadeira livre. É sua.”
Conexão também é isso: deixar-se levar pela intuição e pelo instinto, sem medo.
Assim, cheia de imprevisibilidades, começou a temporada libriana — em que tenho Marte, Saturno e Plutão.
O que isso quer dizer? Que, quer seja na ação, na disciplina, na morte e renascimento, ou na transformação, preciso de equilíbrio. Simples assim.
Esse equilíbrio começa sempre por meditar, e depois procurar um lugar para tirar os sapatos e abraçar uma árvore.
E tu? Onde tens Libra no mapa?
Já colocaste os pés na grama hoje?
Até a próxima.
Lembra-te: nós somos natureza.


