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Katia Rubio: resoluções para mais um ano novo

Katia Rubio: resoluções para mais um ano novo

Aquela época do ano...

Por Katia Rubio, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da USP e especialista em psicologia do esporte

Não sei vocês, mas janeiro para mim é marcado por uma frase “feliz ano novo” não apenas nos primeiros dias do mês, mas ao longo de todo ele. Arrancar a folha do mês de dezembro do calendário de papel (sim, eu ainda faço uso dessas coisas obsoletas) significa não apenas 30 dias a menos, mas um ano inteiro… isso parece incrível! Principalmente quando se quer deixar para trás aquilo que não precisa fazer parte do presente. Há anos que são assim mesmo, pra que levar para o futuro aquilo que está bem acomodado no passado?

Acredito que muita gente se faça a pergunta: Por que um ano tem 365 dias? Por que o dia tem 24 horas? Por que os Jogos Olímpicos acontecem de 4 em 4 anos?  

Uma resposta possível é porque os humanos simbolizam, são produtores de cultura e precisam atribuir significado a coisas que aparentemente não são explicáveis. E assim é possível entender por que surgiram as utopias, as religiões, os rituais em diferentes partes do mundo, em distintos idiomas, ao longo desses milhares de anos que marcam a existência humana no planeta. 

O ano novo por exemplo. Por que tanta comoção pelo fim de um dia e começo de outro? Em partes do mundo estamos prestes a finalizar o ano de dois mil e vinte e cinco depois do nascimento de Cristo. E isso porque uma entidade papal assim o determinou depois de um estica e puxa nos calendários ao longo dos séculos. E como estamos em uma parte do planeta dominada pela tradição dessa igreja convencionou-se determinar que os anos seriam contados a partir dessa visão de mundo. 

Mas, quando olhamos para os lados, sem preconceitos, observamos que há outros tantos calendários cujo início dos tempos é marcado por outras efemérides, o que pode significar uma diferença substancial na idade desse nosso mundo. Isso indica claramente que há uma multiplicidade de explicações para o começo e o fim das coisas, ainda que haja uma determinação para fazer prevalecer o ponto de vista de quem detém a força.

Ano novo é tempo de fazer planos. Dizem que costumamos fazer isso porque fica fácil encher um pote que está vazio… Lembro-me de uma história do Tio Patinhas que eu li quando era criança e das resoluções de ano novo do velhinho milionário. Claro que para ele todas as suas resoluções giravam em torno de maior acumulação e exploração de seus sobrinhos. E por parte deles as resoluções diziam respeito a sobreviver em meio a toda sorte de artimanhas de um tio avarento. Aquela história ficou em minha lembrança talvez por ver, em minha própria família, toda a mobilização para uma festa que começava no dia 31 de dezembro: roupas novas, comida específica para atrair boas energias e a oportunidade de reunir os próximos e os mais distantes para ver pipocar no céu as luzes barulhentas que tanto pavor causam aos animais. E, nos primeiros minutos do ano novo, parte de tudo aquilo já acabava, exceto a comida produzida em quantidade desproporcional para uma festa que durava tão pouco. E dali para frente eram outros trezentos e tantos dias absolutamente parecidos com outros que já se passaram.

Mas, como bem afirmou Eric Hobsbawm, toda tradição foi um dia foi inventada e, se se tornou tradição é porque teve significado para alguém ou para um grupo de alguéns.

Então, seguindo a tradição, vamos às resoluções. 

A primeira delas é que em ano de competições de caráter global, que pouco ou nada me dizem respeito, eu preferirei me abster de analisar, opinar, palpitar, cornetar ou qualquer outro verbo que implique em ação da minha parte sobre essa competição. Abro exceção para os Jogos Olímpicos de Inverno, sobre o qual pouco ou quase nada posso opinar pessoalmente, mas anuncio que no Grupo de Estudos Olímpicos da USP há pessoas altamente capacitadas para fazê-lo.

A segunda diz respeito ao esforço em tratar o esporte como um fenômeno que envolve cultura e educação. Em 2026 será preciso muito trabalho para que essa perspectiva não se perca, nem se esqueça. Quem sabe assim se cumpra a condição de bem inalienável garantido pela constituição. 

A terceira é que pretendo ouvir mais meu coração e menos às necessidades ditadas pela expressão “tem que”, ainda que os boletos me forcem a abrir algumas exceções. Dito isso, espero contar mais histórias, escrever textos menos acadêmicos e mais saborosos pautados em tantas narrativas acumuladas em anos de escuta atenta.

A quarta é levar uma prática iniciada nos últimos tempos: não desligar o carro até que a música ouvida no trajeto realizado, seja lá ele qual for, termine. Não há desrespeito maior pelo artista do que tratá-lo com indiferença, seja numa apresentação presencial ou em uma gravação.

A quinta é seguir uma tradição iniciada há pouco que é parar e olhar com admiração as calçadas e ruas cobertas pelas flores que caem das árvores, em diferentes estações do ano, formando um tapete colorido e delicado. Em uma cidade cinzenta como São Paulo é um privilégio poder constatar que a natureza segue seu curso mesmo diante do aquecimento global.

A sexta resolução diz respeito à necessária contemplação das luzes que abrem e fecham o dia. Tanto o alvorecer, quanto o entardecer, minutos breves de um dia cheio de horas, chamam para a vida, ou para o descanso, silenciosamente, mas com a vibração de um prisma que vai do laranja ao púrpura, com ou sem calor.

Claro que eu não poderia deixar de incluir entre minhas resoluções meus queridos amigos animais. Minha sétima resolução determina que eu atente a todos os cães que me sorrirem com o rabo desde nosso mascote nacional, o vira-lata caramelo aos buldogues, goldens, minúsculos chiauas. Sem contar os felinos de todas as cores, tamanhos e raças que me miem ou ronronem. 

Outros projetos ainda podem ser incluídos nessas resoluções, posto que a página em branco de 2026 apenas começa a ser preenchida. E como escreveu Marcio Borges, “outros outubros virão, outas manhãs, plenas de sol e de luz…”

Enfim. Os dias especiais marcam as nossas vidas porque eles estabelecem parâmetros para novos acontecimentos e outros momentos da nossa existência. E assim deixamos apenas de ser levados para também alterar o curso de nossa trajetória impondo os nossos próprios desejos e vontades. E é esse movimento que nos torna protagonistas da história e da sociedade em que vivemos. E é por isso que nada será como antes.

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