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Correio: Dê dois passos para trás.

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Contemplação e as talipots.

Por Giulia Amendola, diretora de comunicação da Voz Futura

As talipots são de uma espécie de palmeiras que foram plantadas por Burle Marx, aqui pelo Rio, especialmente na Zona Sul, há mais de 50 anos. De 2019 para cá, elas começaram a florescer, mas há algo extremamente melancólico nessa floração: logo após, elas se preparam para morrer.

Na semana passada, eu estava fora da cidade, e começou a aparecer em alguns grupos e páginas o aviso de que havia chegado essa época do ano. Majestosas, elas chamam atenção tanto quanto os monumentos pelos quais o Rio é conhecido: elas disputam paisagem com o Cristo Redentor, Pão de Açúcar, Aterro do Flamengo. E ainda assim, nos convidam a pensar sobre tempo, contemplação… e o que é estar no auge?

Eu tenho me perguntado muito sobre isso. Ao mesmo tempo que acho que finalmente atingi uma idade que condiz com a minha cabeça e corpo, eu também acho que sou apenas uma pequena criança nesse mundão gigante que insiste em nos esmagar nos acelerando o tempo todo. Aos 32, pareço estar longe do auge, mesmo que me digam que é nesta década que eu deveria viver meus melhores anos. Se há algo que sinto, é que sei muito pouco e estou, constantemente, num aprendizado enorme de como cuidar da casa, do trabalho, daqueles que amo, não exatamente nessa ordem, entre tantas outras coisas. Responder não sei ainda me traz arrepios, mas com a certeza de que, muitas vezes, é o melhor a se dizer.

Passei 15 dias longe de casa e fui convidada à contemplação em cidades que não eram as minhas – esse exercício que parece impossível de fazer meio à rotina. Me encantei em museus onde precisei dar um tanto de passos para trás para ver a obra em sua completude, me lembrando daquela clássica frase de Saramago:

É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.

No quadro óbvio e clássico de quem retorna de viagem, fiz listas que iam desde mudanças de hábitos a um make over no meu guarda roupa. Voltei pra casa jurando a mim mesma que não deixaria de ir ver as talipots do Aterro assim que pousasse (meu aeroporto de chegada ficava muito perto delas), mas, no entanto, as últimas 72h parecem ter me atravessado enormemente, seja pela casa, seja pela condição de familiares e pets. Que ano, eu exclamei algumas vezes, e me sentindo imediatamente injusta com 2025: troquei de trabalho, viajei como nunca, conquistei mais liberdade emocional, lancei livro, fechei um novo projeto que tô muito empolgada, fiz novos amigos. Como poderia só focar nas perdas?

Quando vemos quadros em museus procuramos imediatamente a beleza neles. Nas cidades que visitamos, idem. Nos apaixonamos pela ideia de que seria possível viver em qualquer uma delas.

Mas algo atrapalha, né?

A tal da busca pelo auge.

Eu tenho muito medo do que acontece depois dele, e pensar nas talipots me faz ter mais medo ainda: do que adianta a gente performar (desculpem, tive que usar a palavra mais feia do momento) lindamente se o que vem depois é o fim (seja lá o que isso significar)?

Por que a gente não é capaz de contemplar mais o processo – a cidade que vivemos, a vida mundana, o nosso dia a dia, com suas maravilhas e defeitos?

As palmeiras, mesmo antes da floração, são belíssimas.

A gente também deve ser, só precisa querer enxergar.

Vamos dar dois passos para trás?

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Antes de terminar o texto, como boa jornalista, fui ver se a história de que ela morre após a floração era mesmo verdade, depois de levar 40 a 70 anos para chegar nesse lugar. Infelizmente (ou não), é verdade, mas descobri algo muito bonito enquanto lia. O processo da “morte” leva 15 meses, mas o que eu não vi ninguém destacar é que nesse processo todo, ela produz milhões de frutos cujas sementes garantem a perpetuação da espécie. Não acaba aqui.

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Eu ainda não vi as talipots floridas este ano, mas segue uma foto do g1 para quem ficou curioso:

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