Por Ana Julia Silveira, da Rebento, para a Voz Futura
No primeiro corte, a bola sobe. No segundo, ganha ritmo. No terceiro, vem o ataque, o instante em que o jogo se transforma. Foi mais ou menos assim, em três cortes, que nasceu o Saque da Oca, projeto da Oca Escola Cultural, na Grande São Paulo, que encontrou no vôlei um novo jeito de brincar, incluir e sonhar. A história começa com uma brincadeira antiga: o jogo dos três cortes, uma mistura entre vôlei e queimado que atravessa gerações e quintais Brasil afora. Ao longo de suas pesquisas sobre cultura infantil, Lucilene Silva, pesquisadora e coordenadora da Oca, reencontrou esse e muitos outros jogos que carregam a memória da infância brasileira.
“A Oca é um lugar de valorização da cultura da infância”, conta Lucilene: “Aqui a gente escuta as crianças, observa o que elas criam e transforma isso em possibilidades reais para o futuro”.
Foi justamente dessa escuta que o vôlei ganhou espaço no dia a dia da instituição. As crianças pediram uma rede e a rede virou movimento. A brincadeira dos três cortes se transformou em treino, o treino em time, e o time em um projeto. Assim nasceu o Saque da Oca, mais um desdobramento natural do trabalho da instituição, que há 29 anos promove arte, cultura e educação em Carapicuíba.
Com o tempo, o esporte deixou de ser apenas recreação e passou a abrir caminhos. Entre as muitas histórias que atravessam a quadra, estão as de jovens que encontraram ali a chance de reinventar suas trajetórias, alguns marcados pela ausência, outros pela superação:
“Um dos nossos alunos perdeu a mãe ainda pequeno. A possibilidade de encontrar um caminho pela vida foi o que o salvou. O vôlei mostrou que ele podia sonhar de novo”.
Em outro caso, o esporte também foi abrigo e recomeço.
“Teve uma aluna que cresceu com o pai, em condições muito difíceis, e que também encontrou aqui uma forma de se salvar”, relata Lucilene: “Quando a gente oferece a chance de descobrir habilidades e escuta o que esses jovens realmente desejam, eles encontram sentido e a gente transforma jogos em sonhos”.
O espaço da Oca é um território vivo, aberto e ocupado também pela comunidade nos fins de semana. Além do vôlei, o projeto abriga oficinas de dança, música, capoeira, cinema, artes visuais e artesanato, um trabalho contínuo que forma gerações. Muitos dos atuais educadores começaram ali, ainda crianças, e hoje retribuem o que aprenderam. Manter essa engrenagem, no entanto, exige esforço constante.
“O maior desafio é a sustentabilidade. Somos um projeto social dentro de uma comunidade, e captar recursos é uma tarefa de 24 horas por dia, e é isso que garante que a Oca continue viva e transformando vidas”, afirma Lucilene.
O Saque da Oca nasce, então, como continuidade desse caminho, um gesto coletivo que une passado e futuro, tradição e descoberta, arte e esporte. Um novo capítulo de uma história que, há quase três décadas, transforma o território a partir da escuta e do brincar:
“Que o esporte seja mais uma forma de garantir a continuidade desse projeto que há quase 30 anos transforma vidas”.





