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Katia Rubio: A arte da transição de carreira

Katia Rubio: A arte da transição de carreira

Estreia da coluna da professora da USP na VOZ.

Por Katia Rubio, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da USP e especialista em psicologia do esporte

A discussão sobre a transição de carreira e a dupla carreira esportiva ganharam força e destaque na última década mundo afora e no Brasil em função da primeira geração de atletas profissionais experimentarem esse fato social e humano que é a mudança de status psicossocial. Ser atleta não é apenas uma profissão, é uma identidade. 

Um atleta no exercício de sua função é a síntese da vida, afinal vida é movimento. Não bastasse provar que os limites do corpo foram impostos para serem superados o atleta é um tipo humano que ousa se imortalizar pelo estabelecimento de uma marca, parecendo nunca envelhecer.

Poucos são capazes de acompanhar a vida de uma pessoa pública que suscita diferentes emoções. Do ídolo adorado de um time, ao vilão odiado pelos adversários, o atleta vive a vida finita de todos somente no recolhimento de sua privacidade. É ali que cuida dos dores, dos temores, vive as incertezas e pensa no fim. Afinal, embora façam crer na sua imortalidade, atletas não são parentes consanguíneos de Hércules, tampouco habitam o Olimpo.  

Difícil é o momento de parar uma atividade, principalmente se ela é fonte de satisfação pessoal e profissional. No esporte é chamada de transição de carreira o momento em que o atleta se prepara para não mais treinar e competir. Esse é um processo que pode ser planejado ou compulsório e ocorre em um momento de plenitude biológica. 

O fato é que a idade em que esse fato se dá é ainda tempo de se iniciar atividades para muitas pessoas que tentam outras carreiras profissionais. O corpo capaz de realizar feitos memoráveis é quem dará os sinais de que já não é possível prosseguir. Mesmo que a cabeça comande a ação, com sinais do que e como fazer, o corpo já não é capaz de responder com o mesmo nível de habilidade.

Isso dispara uma emoção paradoxal, uma vez que enquanto se deseja (ou precisa) parar de competir é ainda muito cedo para se sentir afastado de atividades produtivas. É preciso então adaptar-se a uma nova condição de vida, em que serão desenvolvidos outros papéis, realizando ações que não necessariamente estarão relacionadas com a identidade do passado.

E esse é um momento crucial. Saber quando parar. 

Um dos elementos que leva um atleta a planejar a transição de sua carreira é o fato de seu corpo já não mais responder às expectativas de rendimento em treinos e competições. O esforço de outros tempos já não produz os mesmos resultados. Para aqueles que viveram a condição de campeões, essa situação ganha outros contornos ainda mais dramáticos. Seja por decisão própria ou pelo impedimento do corpo, fato é que o fim da carreira de um atleta envolve um chamado pessoal e muitos interesses que gravitam em torno de si. E por maiores que sejam essas questões há nessa decisão uma carga emocional que dificilmente se transmite para o público e para os fãs.

E isso não é difícil de explicar. Ao iniciar a carreira esportiva uma criança ou um jovem carrega não apenas o desejo de uma prática que envolve prazer e esforço. Por trás do desejo de ser atleta há outros que, antes dele, criaram uma imagem gloriosa de si mesmo por meio do êxito em competições. Com o passar do tempo a condição de referência também pesa na decisão de finalizar a carreira. 

Se a prática esportiva promove o desenvolvimento da identidade do atleta, o final de sua carreira representará a necessidade de mudança de um papel social para o desenvolvimento de uma nova identidade. Da mesma forma que a identidade de atleta necessitou alguns anos para se consolidar, a transição para um novo papel social também se dá como processo, o que demanda do sujeito tempo e recursos emocionais e materiais para sua concretização.

O atleta não vive para sempre. Seus feitos sim.  

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