Por Mariana Bezerra, diretora de produção da Voz Futura.
A Voz Futura esteve presente na aguardada pré-estreia (antestreia como dizem os portugueses) do filme “Manas”, dirigido por Marianna Brennand no último dia 18 de agosto de 2025. A sessão contou com a sala lotada e a presença da diretora do filme e da produtora Carolina Benevides que fizeram Q&A com o público que pode conhecer mais sobre o processo criativo e os bastidores da realização desta obra.
“Manas” acompanha a história de Marcielle, uma menina de 13 anos da Ilha do Marajó (Amazônia), que enfrenta um ambiente familiar marcado pela exploração sexual, pelo abuso psicológico e pela ausência da presença do Estado na comunidade ribeirinha onde vive. O filme estreou nas salas portuguesas no dia 21 de agosto e já teve sua passagem pelas salas do Brasil.
A obra, primeira longa-metragem de ficção de Marianna, foi recentemente selecionada entre os 16 filmes brasileiros candidatos a representar o Brasil na corrida ao Óscar 2026 de Melhor Filme Internacional.
Durante a conversa com o público, Marianna, que é natural de Pernambuco, contou que a ideia do projeto surgiu há cerca de 10 anos, após uma conversa com a cantora Fafá de Belém que relatou os abusos sofridos por meninas e adolescentes nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, em especial no Pará. Após essa conversa, Marianna imediatamente decidiu que precisava dar luz a essa temática como forma de uma dramaturgia de denúncia. Como a diretora já tinha experiência em dirigir documentários, neste primeiro momento, ela pensou em contar essa história através de um longa documental, mas logo percebeu que se optasse por esse formato, precisaria fazer as vítimas reviverem todas as suas dores diante das câmeras nas entrevistas. Assim, nasceu Manas, uma ficção inspirada nos inúmeros relatos e histórias coletados durante os anos de pesquisa que possibilitaram a montagem do roteiro do filme.
Uma década depois desta primeira conversa com Fafá, o filme chega às telas como resultado de um intenso processo produção, captação de recursos e uma escolha cuidadosa do elenco, composto por novos atores, como era desejo da própria Marianna. Esta é uma obra que conta uma história de violência apresentando para quem assiste a urgência de se falar sobre esse tema sem expor diretamente essas tantas mulheres já tão fragilizadas.
Outro ponto de destaque apresentado por Marianna Brennand e pela produtora Carolina Benevides foi a experiência que tiveram durante o processo de pesquisa no Marajó. Ambas estiveram diversas vezes na região e relataram como a precariedade da locomoção e as grandes distâncias dificultam a apuração de denúncias de violência com a agilidade e a urgência necessárias. Como exemplo, mencionaram comunidades localizadas a 6 ou 7 horas de barco dos centros urbanos, onde a presença do Estado é quase inexistente.
Essas comunidades ribeirinhas, em muitos casos, nem sequer são reconhecidas como zonas eleitorais, o que reforça a sua invisibilidade institucional. Segundo Marianna, essa ausência de apoio do Estado faz com que problemas estruturais, como os abusos contra mulheres e crianças, sejam gradualmente normalizados, passando de geração em geração como uma triste “realidade naturalizada”.
A diretora também ressaltou que não existe uma solução única para enfrentar a realidade retratada em Manas. Segundo ela, é fundamental que a sociedade civil se una na luta por mudanças concretas nas políticas públicas. Marianna também apontou a certeza da impunidade por parte dos homens abusadores como um dos principais fatores que perpetuam os ciclos de trauma, violência e abusos.
Durante o processo de produção, uma preocupação constante da equipe foi proteger o elenco, sobretudo as crianças, deste peso da violência representada. Por isso, os atores crianças não tiveram acesso ao roteiro completo, para que fosse preservada a integridade emocional delas. A sensibilidade da diretora é vista nas telas, ao se perceber que ela tentou ao máximo fugir da exposição explícita e da exploração do corpo feminino, com cenas que apresentam de forma muito sutil o tema da exploração sexual infantil.
Depois de percorrer o circuito de Festivais e o Circuito Comercial, o filme pretende seguir em sua trajetória como uma ferramenta de sensibilização, capaz de promover reflexão social e oferecer acolhimento às meninas e mulheres que enfrentam situações semelhantes.
“Manas” está há cerca de um ano percorrendo o circuito de Festivais e já teve o seu reconhecimento através de mais de 20 prêmios que já ganhou.
Alguns deles foram:
- Festival de Veneza 2024: Prémio do Júri – Giornate degli Autori
- Festival do Rio 2024: Festival do Rio – Première Brasil – Prémio Especial do Júri, Jamilli Correa
- FEST: Festival Novos Realizadores – Novo Cinema (Espinho, Portugal): prémio do público
- Cannes 2025: Marianna Brennand foi reconhecida como a primeira cineasta brasileira a receber o Women In Motion Emerging Talent Award Comunidade Cultura e Arte.
- Dias dos Autores em Veneza: levando um prémio de €20.000 para facilitar a divulgação internacional