Por Igor Monteiro, consultor de aprendizagem corporativa e especialista em design instrucional.
Eu tinha 9 anos quando a Seleção Brasileira de Futebol Masculino conquistou o Pentacampeonato na Copa do Mundo de 2002.
Era um mundo absolutamente diferente. Os celulares eram apenas para mensagens e ligações. O entretenimento em telas se limitava à programação disponível nos canais de TV. Espectadores seguiam passivamente a programação na hora marcada. O streaming era um modelo de consumo de conteúdo que engatinhava.
A final foi entre Brasil e Alemanha. 2 a 0 para nós. Dois gols de Ronaldo “Fenômeno”. O mesmo Ronaldo, que passou antes por cirurgias no joelho, retornou aos campos em março de 2002, às vésperas da Copa e, para muitos, por conta do histórico de lesões, foi injustamente escalado pelo técnico Felipão.
Brasil pentacampeão. Ronaldo artilheiro da Copa.
Aos 9 anos de idade, como todos os outros brasileiros, comemorei aquele título, que assisti com meus pais e irmãos. Anos depois, compreendi: Ronaldo foi a maior referência de antifragilidade que conheci no esporte.
A antifragilidade, por Nassim Taleb
Ao cair no chão de uma altura razoável, um copo de vidro se quebra em pedaços. Outro copo, de um bom plástico, não altera seu formato ao cair de uma mesma altura. Em condições normais, vidros são mais frágeis. Plásticos mais resistentes.
Resistência e Fragilidade, propriedades mecânicas dos materiais, relacionadas a capacidade de um material suportar cargas sem se fraturar, quebrar ou deformar. Características facilmente notadas na prática entre materiais.
Propriedades potencialmente estendidas também, de alguma forma, há nós, humanos. Você já deve ter ouvido de algum ‘guru’ da internet, por exemplo, sobre a importância de sermos resistentes, resilientes, num mundo em transformação constante, como o nosso.
Em 2012, um livro do autor Nassim Taleb sugere, no entanto, uma outra propriedade diferentes dessas duas primeiras. Uma mais adequada ao mundo caótico em que vivemos: a antifragilidade. Uma condição rara, notável de alguns indivíduos que ao enfrentarem desafios, imprevisibilidades, condições adversas são capazes não apenas superá-las, como também se desenvolver e se fortalecer a partir delas.
A capacidade de sair transformado(a) de um cenário desafiador. Se beneficiar do caos.
Mudar a forma de treinar e de jogar. Lidar com pressão da torcida e críticos. Superar incertezas pessoais e da mídia. Marcar dois gols numa final de Copa do Mundo e sair como herói do título. Ronaldo poderia facilmente ser capa do livro ‘Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos” (2012)”, do professor Taleb.
Na teoria, a prática é outra: como seu cérebro funciona
Negócios e pessoas com essa adaptabilidade latente sobrevivem e prosperam em contextos em que a adversidade se tornou a regra e as mudanças são mais rápidas que nossa capacidade de assimilação.
Nessa altura do texto, você também deve estar se perguntando o mesmo que me perguntei quando li Taleb pela primeira vez: “como desenvolvo minha antifragilidade?!’
O caminho é longo e o exercício é diário. Sobretudo porque nosso cérebro, por essência, não é uma estrutura exatamente antifrágil. Pelo menos não em seu piloto automático.
Evolutivamente, nosso cérebro foi programado para resistir – assim define a Dra. Britt Andreatta, referência global em liderança e neurociência aplicada à aprendizagem. Quem já passou por processos de mudança acentuada no trabalho, vai concordar com ela.
Se você já viveu uma integração para um novo sistema na sua área, trabalhou em uma empresa em processo de fusão ou aquisição de outros negócios, viu o planejamento estratégico da área mudar radicalmente como resposta a um novo cenário ou mesmo se viu forçado a mudar o trajeto até o escritório por uma mudança repentina no trânsito, viveu um misto de emoções bem distantes da proposta de antifragilidade.
Estresse, medo, frustração, ansiedade e até negação da realidade em alguns momentos dominaram as sensações das primeiras horas, dos primeiros dias no novo cenário.
Seguindo uma lógica de economia de energia, nossos cérebros são afeitos à rotina. Pode reparar: sua sequência de ações diárias, sobretudo nas primeiras horas da manhã, tendem a se repetir dia após dia.
Além disso, via de regra, desde a infância somos punidos por erros, desvios do que é regra. Quem tirou nota baixa na escola sabe bem disso. Uma educação que reforçou a aversão ao risco – que passamos a procurar não correr ao longo da vida, por conta do medo de falhar.
Ser antifrágil é subverter essa lógica. É antinatural. Requer empenho consciente e estratégico. É planejar e agir com consistência. É lutar contra o que está (im)posto – como fez o Fenômeno naquela Copa do Mundo de 2002.
Da tese à ação
A maioria das situações de mudança com as quais você terá que lidar profissionalmente se apresentaram como imposições do meio. Mudanças de contexto da sua empresa, do mercado onde ela atua, da liderança que a conduz ou mesmo de realidades globais que atingem o negócio do qual você faz parte.
Nesses cenários, algumas práticas podem ajudar a desenvolver sua antifragilidade:
- Clareza sobre o destino. É preciso ter compreensão sobre o ponto final. Onde se pretende chegar e como tende a ser a vida após a transformação. Dedique tempo a compreender mais sobre esse cenário pretendido de conclusão da transição. Pergunte a gestores e quem já viveu processos parecidos como parece o mundo planejado após a mudança em curso.
- Autocuidado é estratégia. Cenários turbulentos de transformação exigem maior atenção ao cuidado pessoal – garantir mais energia para lidar com as mudanças em curso. Procure implementar ou manter uma rotina de atividade física regular, sono regrado e dieta balanceada. Ah, e claro, invista em processos de terapia. São formas de controlar o controlável frente ao caos.
- Troque as lentes. Frente às incertezas, nossa resposta natural tende a ser resistir, se fechar, ficar mais no nosso mundo e até nutrir sentimentos mais desagradáveis no processo. Trocar as lentes é fazer um exercício consciente de inverter essa postura – e procurar observar as transformações em curso com um olhar de: o que eu posso aprender e desenvolver nessas circunstâncias.
E se bater uma dúvida ou insegurança, assista a um desses vídeos de Youtube com um compilado dos gols de Ronaldo na Copa do Mundo de 2002. Costuma me ajudar.
Conteúdo, Experiência, Pessoas + Redes
Espaço dedicado a sugerir a você mais conteúdos, experiências e pessoas + redes para você se aprofundar no tema de cada texto – prática que copiei do Conrado Schlochauer.
Conteúdo:
- Documentário: “Brasil 2002: os bastidores do Penta” (NETFLIX). O cenário pré Copa 2002 era de absoluta incerteza. Cobranças da torcida. Críticas da Mídia. Jogos ruins da seleção. Caos perfeito para aparecer a antifragilidade de um grupo que resolveu se fechar para voltar com a taça do Pentacampeonato.
Experiência
- Comece algo novo! Um esporte, uma atividade artística, um hobby para o qual você está disposto a se dedicar. Empenhar-se em uma atividade nova irá exigir de você empenho e paciência para lidar com a curva de aprendizado inicial e exigir sua antifragilidade para não desistir quando tudo parecer estar dando errado. Lições práticas que sairão do seu hobby para o trabalho.
Pessoas + Redes
- Britt Andreatta, PdD. A Dra. Andreatta é especialista em liderança e gestão de processos de mudança, reconhecida internacionalmente no cenário corporativo, sobretudo por usar neurociência para explicar como podemos lidar com cenários desafiadores em transformação.