Por Marco Antonio Rocha, para a Voz Futura
Os corredores que ligam os vestiários dos estádios brasileiros aos gramados do futebol feminino foram abertos à força. E não seria exagero dizer que as taças conquistadas pela seleção têm as digitais de Lucy – a mais recente delas, a Copa América erguida após vitória nos pênaltis sobre a Colômbia. Nascida Maria Lúcia Alves Feitosa em Triunfo, no interior de Pernambuco, a ex-camisa 10 ganhou na bola o apelido curto que marcaria sua carreira gigante. Uma das pioneiras do esporte no país, sempre teve no ineditismo seu parceiro ideal para tabelinhas que invariavelmente entraram para a história.
Quando a Fifa decidiu promover o Torneio Mundial Experimental Feminino, em 1988, na China, lá estava Lucy testemunhando o nascimento da Copa do Mundo da categoria. A viagem até o outro lado do mundo teve cor de bronze, algo surpreendente para um país que via o futebol como “coisa de homem”. As partidas foram disputadas com uniformes da seleção masculina, e cabia às próprias jogadoras fazer os ajustes necessários. Camisas, shorts e calções eram lavados nos chuveiros do hotel, entre um treino e outro, e pedaços de papelão faziam as vezes de caneleiras.
“Enfrentei muitas batalhas, era uma luta enorme jogar futebol. Existia um preconceito muito grande, a imprensa não cobria as partidas, os torcedores diziam que a gente deveria estar em casa fazendo faxina, cozinhando, tendo filhos… Os estádios estavam sempre vazios, em péssimas condições. Não jogávamos em grama, não, era terra mesmo! As chuteiras eram horríveis e mal tínhamos uniforme. Se tivesse nascido mais tarde, hoje seria rica. Mas não me arrependo de nada, faria tudo de novo. Era meu sonho, e consegui realizá-lo. Abri portas para o pessoal que hoje está aí, e isso me deixa muito feliz”, orgulha-se Lucy.
A carreira da ex-meia foi meteórica no Brasil, com passagens pelo modesto ADPM, time de São Paulo onde começou em 1978, e pelo icônico Radar, do Rio, que marcou época no futebol brasileiro. Em 1986, desafiou o desconhecido ao ser a primeira jogadora do país a transferir-se para a Europa – na lista estão os italianos BKV Trani, Napoli e Cagliari, entre outros clubes, antes de parar defendendo o Carbonia, em 2001.
“Passado tanto tempo, sigo no futebol. Fiz todos os cursos de formação da Uefa e treino crianças”, conta ela, que vive na Sardenha e, recentemente, teve sua vida contata no documentário ‘Lucy, o destino de uma pioneira’: “Jamais imaginei um dia ver minha história em um filme, sou a pessoa mais feliz do mundo”.



