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Quando os muros falam, a cidade escuta

Quando os muros falam, a cidade escuta

Negro Muro eterniza memórias negras nos muros do Rio

Por Juliana Prestes e Silvia Magalhães para a Voz Futura

Na Zona Norte do Rio, muros contam histórias que a cidade não pode esquecer. Os rostos ganham cor. Nomes ganham presença. E a memória negra encontra lugar onde sempre deveria ter estado: nas ruas. Esse é o propósito do Negro Muro, um grupo de artistas que vem colorindo as fachadas da cidade com retratos e narrativas de figuras negras que marcaram a cultura brasileira — especialmente aquelas cujas trajetórias se entrelaçam com o subúrbio carioca.

Mais do que murais, o trabalho do Negro Muro é um projeto de preservação da memória e valorização da ancestralidade. Com pincéis, tintas e muita sensibilidade, o grupo transforma espaços urbanos em verdadeiros memoriais a céu aberto. Já receberam esse tributo personalidades como Clementina de Jesus, Cartola, Martinho da Vila, Elza Soares, Sandra de Sá, Carolina Maria de Jesus, Mussum, Abdias do Nascimento, entre outros nomes. Gente que moldou a cultura do Brasil, agora estampada nas paredes do subúrbio carioca.

Segundo Pedro Rojão, produtor cultural e idealizador do projeto, “é muito difícil falar qual é a obra mais marcante, mas eu destacaria o muro de João Cândido, que foi na casa que ele morou em São João de Meriti. O muro passou a ter um reconhecimento oficial da Alerj, a casa dele também recebeu uma placa e entrou no circuito de turismo da cidade”.

Cada obra é fruto de curadoria. Escolhem o território, pesquisam o personagem, conversam com moradores. Os muros não servem só para enfeitar. Eles educam, provocam, devolvem pertencimento. Sobretudo aos jovens, que passam a reconhecer, ali mesmo, no trajeto de casa à escola, a força de quem veio antes.

A história do projeto começou de forma independente, como conta Pedro: “Em 2018, convidei o Fernando Cazé para pintar um muro do músico nigeriano Fela Kuti, porque estou fazendo uma pesquisa e um documentário sobre ele há 15 anos. Apareci na casa do Cazé com um DVD, um CD do Fela… assistimos ao filme, ouvimos a música e pintamos um muro em frente à Escola Estadual Francisco Campos, no Grajaú.”

O impacto foi imediato: “A professora de artes ficou curiosa, foi conversar com a gente e acabou aplicando a estética das capas dos discos do Fela e as roupas das back vocals no trabalho de arte do quinto ano. A partir dali, começamos a pintar outros muros, com tinta do nosso bolso, onde dava, sem patrocínio, sem nada”, revela o idealizador.

De lá pra cá o projeto cresceu e, além das obras orgânicas, também é contratado por empresas e instituições para espalhar essa arte urbana. 

Atualmente, já são 71 muros pintados pela cidade: “Nosso primeiro grande mural foi uma empena do Pixinguinha, no Museu da Imagem e do Som”, lembra Pedro. “Temos também um mural gigante da Conceição Evaristo, ali na Pedra do Sal, que é o maior do projeto. A Elza Soares chegou a visitar o mural que fizemos em sua homenagem, na Água Santa”.

O Negro Muro atua majoritariamente na Zona Norte, uma região historicamente marcada por resistência cultural e protagonismo negro, mas muitas vezes negligenciada nas políticas públicas e na valorização simbólica da cidade. A escolha dos locais e dos homenageados é sempre pensada para reforçar os laços com o território e trazer à tona vozes que, por muito tempo, foram silenciadas. Pintar nesses lugares é reescrever o mapa da cidade — com mais verdade, mais cor, mais raiz.

Ao devolver à cidade os rostos e as histórias que ajudaram a construí-la, o projeto mostra que arte e memória caminham juntas. O Negro Muro é, antes de tudo, uma celebração da vida, da luta e da potência negra no Brasil. Devolve rostos às ruas. E devolve à memória o que o tempo tentou calar. Cada traço é permanência. Cada cor, um lembrete de que essa história também é nossa. 

Crédito das fotos: Divulgação /Rio Tur / Tayna Uraz / Hugo Leo Lourenço

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